Kassio Nunes deve ser decisivo em julgamentos penais no STF
A se confirmar como o primeiro ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, o desembargador Kassio Nunes deverá ser decisivo em julgamentos de matéria penal na corte, como o que envolve causas da Operação Lava Jato, mas ao menos por ora deverá ter peso reduzido em eventuais mudanças referentes à garantia de direitos fundamentais e de costumes.
Kassio Nunes será sabatinado pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado na quarta-feira (21) e, se for confirmado em votação secreta pelo colegiado e pelo plenário da Casa, assumirá a cadeira vaga com a recente aposentadoria do decano Celso de Mello.
A avaliação de fontes dentro e fora do Supremo é que, com a corte rachada na análise de casos criminais, o voto de Kassio Nunes pode ser o fiel da balança. O magistrado tem sido considerado como um garantista e discreto, perfil que agrada parlamentares alvo de investigações no STF.
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“É uma pessoa muito boa, tem uma visão de direitos e garantias fundamentais e vem somar nessa atribuição do Supremo”, disse uma fonte da corte, lembrando que ele vem do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, uma corte “movimentadíssima”, e destacando que o STF “não defende o bandido”.
O diretor do Instituto Luiz Gama, Camilo Onoda Caldas, disse que ele “claramente” parece ter sido escolhido por investigações que podem envolver a família Jair Bolsonaro. “Prevaleceu na escolha muito mais o interesse particular”, considerou.
Caldas citou que ele pode herdar a relatoria do inquérito que apura se Bolsonaro interferiu na Polícia Federal — caso não haja redistribuição — e pode apreciar a suspeição do ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro em processos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de rediscutir a execução da pena de prisão após condenação em segunda instância.
“As discussões de matéria penal têm tido votações muito apertadas e aí, nesse particular, que ele pode ser muito decisivo”, disse Caldas, que também é pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra.
A chegada de Kassio Nunes, de 48 anos, deve impactar julgamentos sobre Operação Lava Jato no momento em que o presidente da corte, Luiz Fux, conseguiu apoio dos pares para que apreciação de inquéritos e ações penais passassem das turmas ao plenário.
A analista da XP Investimentos Débora Santos, especializada em Poder Judiciário, observou que a turma lavajatista no Supremo já vinha tendo derrotas em plenário e que o desembargador não parece ser um “garantista de ocasião”. “Ele não é o tiro na cabeça da Lava Jato. Já existe uma articulação e pensamento nesse sentido [de esvaziar a operação]”, ponderou.
Uma análise feita pela XP sobre o comportamento das redes sociais após a indicação de Kassio Nunes, vista pela Reuters, apontou como uma novidade da escolha que houve um afastamento de uma parte da base mais ligada ao presidente em direção à Lava Jato e a Sergio Moro.
Não por acaso Bolsonaro tem usado uma série de aparições públicas e em redes sociais para defender o perfil do escolhido.
O advogado Wesley Bento, do escritório Bento Muniz Advocacia, avalia que, “como o futuro ministro não integrava Turmas com competência criminal no TRF1, não é possível antever com exatidão suas posições sobre temas cruciais nessas matérias”.
Costumes
A indicação do desembargador ao Supremo também gerou frustração entre apoiadores do presidente pela falta de defesa enfática dele de uma agenda conservadora e de costumes, tema caro aos bolsonaristas mais fiéis.
Há pouco mais de um ano, Bolsonaro havia defendido que iria indicar um ministro do STF “terrivelmente evangélico” para uma das duas cadeiras que vão ser abertas por aposentadorias compulsórias até 2021 — além da já vaga de Celso de Mello, haverá outra quando Marco Aurélio Mello deixar a corte em meados do próximo ano. Muitos esperavam que essa escolha se desse com a primeira vaga.
A opção pelo desembargador não passou pelo presidente do Supremo, Luiz Fux, mas outros ministros avaliaram a escolha como positiva. “Poderia ter sido muito pior diante dos nomes que vinham sendo cogitados”, disse a fonte da corte.
Católico e de origem humilde, Kassio Nunes não é tido como um defensor intransigente da pauta de bolsonaristas, segundo fontes. Além disso, Caldas avalia que no Supremo o julgamento de ações ditas progressistas têm ganhado por uma maioria folgada ou até por unanimidade, e ressalta ainda que “não está definido” o perfil de votação do futuro ministro nessas questões.
O ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto destacou que sozinho não se muda o tribunal. “Quando assume, você ganha mais e mais a noção que o início do exercício já é de corte do cordão umbilical com quem o nomeou. O seu dever é ser o guardião da Constituição antes de tudo. Isso não é ingratidão não”, disse.
Ayres Britto disse que não há como “reverter a mentalidade que prevaleceu arejada e humanista” dentro do tribunal. “Não há como recuar uma ideia que presidiu a elaboração de células tronco embrionárias, feto anencéfalo, liberdade de imprensa e união estável”, afirmou.
Para o ex-presidente do STF, essa e futuras indicações do presidente não têm o condão de rever entendimento da corte nessas matérias. “Acho que, para isso ocorrer, é preciso violentar a Constituição, mudar a Constituição naquilo que tem no que é mais intangível, cláusulas pétreas”, salientou.
A analista da XP disse que “Bolsonaro não vai conseguir fazer um plenário de evangélicos e isso se está vendo na primeira indicação”. Ela ainda observou que Kassio Nunes vai ficar quase três décadas no Supremo e que ele enfrentará processos e possibilidades de experiência no tribunal que vão mudar a cabeça dele.
“Não dá para esperar, e é ingenuidade do presidente, achar que o indicado terá a mesma cabeça daqui a um ano”, disse ela, após lembrar recentes exemplos de ministros do STF nos últimos meses que chegaram até a votar contra a interesses de grupos que os ajudaram a chegar ao tribunal.
Débora Santos destacou ainda que um ministro do Supremo tem dois importantes poderes: o de apreciar liminares — um dos casos ilustrativos foi da suspensão da nova distribuição dos royalties do petróleo, tomada há sete anos — e o de não decidir.
O diretor do Instituto Luiz Gama foi na mesma linha. “Um ministro isoladamente tem muito poder, pode afetar muito um processo. Às vezes ficam meses com uma liminar. Claro que temas muito sensíveis costumam ser pautados rapidamente. Mas um ministro isoladamente tem muito poder”, reforçou Camilo Caldas.