Na história das sabatinas, longos interrogatórios e bajulações
Se depender do histórico das sabatinas a candidatos ao STF (Supremo Tribunal Federal), o desembargador Kassio Nunes Marques tem pouco com o que se preocupar nesta quarta-feira (21). Ele precisa passar primeiro pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado para depois ter seu nome aprovado pelo plenário da Casa.
Senador vota pela rejeição da indicação de Kassio Nunes ao STF
Dos dez atuais integrantes da Corte, há desde interrogatórios pesados como o que sofreu um dos três indicados por Dilma Rousseff, Edson Fachin, com uma sabatina que passou das 11 horas de duração em maio de 2015, a passeios como o de Cármem Lúcia, em 2006, aprovada por unanimidade pelos membros da comissão.
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Criado em 1890, após a Proclamação da República, o STF sempre submeteu ao Senado as indicações do presidente da República. Apenas cinco foram derrubadas, todas em 1894, no governo do marechal Floriano Peixoto.
Veja como foram as dez últimas sabatinas:
Alexandre de Moraes diz que crítica é fake news
O ministro Alexandre de Moraes, último dos atuais 11 ministros a entrar na mais alta corte da Justiça do país, o STF (Supremo Tribunal Federal), teve que se explicar em 2017 sobre a acusação que vez ou outra pipoca nas redes sociais de que defendeu como advogado a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).
Sua sabatina passou de 11 horas de duração.
“Quem já foi injuriado e difamado pela internet sabe da impossibilidade de retirar totalmente essas versões mentirosas”, reclamou o aspirante. “Não tenho nada contra os que exercem a advocacia dentro das normas legais em relação a qualquer cliente, mesmo o PCC. Agora, jamais fui advogado do grupo ou de ninguém ligado a ele”, garantiu.
Todo o problema teria surgido, contou Moraes, porque seu escritório tinha como cliente a cooperativa de transportes Trancooper, suspeita de ligações com a organização criminosa.
“Como se chegou à questão do PCC? Determinado deputado estadual de São Paulo era um dos cooperados e na sua campanha para reeleição pediu emprestada a garagem da cooperativa para reunião. Nessa reunião, estavam presentes duas pessoas que estavam sendo investigadas por ligação com o crime organizado”, contou, numa longa justificativa.
Outra questão que foi muito citada foi o fato de deixar o Ministério da Justiça do então presidente Michel Temer para assumir a vaga no STF. Questionava-se se isso não representaria uma falta de independência em relação ao governo federal, cobrança comum a várias outras sabatinas.
“Jamais atuarei entendendo que minha indicação seja ou tenha qualquer ligação de agradecimento, ou qualquer ligação de favor político. Isso posso garantir a vossas excelências. Se aprovado for, atuarei com absoluta independência, absoluta imparcialidade”, disse.
Antes, de Moraes, o pacato paranaense Edson Fachin, indicado pela presidente Dilma Rousseff (PT), passou pela sabatina em maio de 2015. E teve muito o que explicar na Comissão de Constituição e Justiça que o aprovou após mais de 11 horas de perguntas, duras muitas vezes.
Em um momento em que o governo federal já começava a patinar, um ano antes do impeachment da presidente, Fachin teve que esclarecer o porquê de sua assinatura em manifestos pró-MST (Movimento Sem Terra) e a favor da candidatura de Dilma em 2010.
“Fui convidado para fazer a leitura (do manifesto). E não me furtei. Era um manifesto que havia assinado. É assim que, de fato, se passou. Não tenho nenhuma dificuldade, nenhum comprometimento caso venha a vestir a toga do Supremo Tribunal Federal em apreciar e julgar qualquer um dos partidos políticos”, afirmou, mas…
“Não deixo de reconhecer que, na nossa vida, tomamos caminhos, fazemos reflexões, mas nem sempre acertamos”, disse Fachin.
Pressionado por senadores conservadores, ele fez questão de se dizer contra o aborto e o casamento de pessoas do mesmo sexo.
O bom humor de Barroso
Dois anos antes, Luís Roberto Barroso, indicado por Dilma para o lugar de Carlos Ayres Brito, passou fácil pela sessão e provocou risadas dos senadores.
Em determinado momento, o bem-humorado Barroso falou que “a Constituição tem solução para tudo, só não traz a pessoa amada em três dias. Fora isso, quase tudo é possível fazer”.
Depois, ao citar o casamento comentou olhando para a esposa, que estava sentada entre os parlamentares: “O casamento só é ruim nos primeiros trinta anos, depois a gente vai dando um jeito.”
Em suas falas, ele destacou que acredita na diversidade étnica, religiosa e política e também no respeito aos direitos humanos e fundamentais. “A verdade não tem dono. Cada um é feliz à sua maneira. Respeito e tenho consideração por todos que pensam diferente e que conseguem manifestar pacificamente essa divergência.
A gaúcha de Porto Alegre, Rosa Weber, em 2011, foi a primeira indicada por Dilma Rousseff. Ela sucedeu outra mulher, Ellen Gracie.
A aspirante teve de responder questões espinhosas, como união estável entre pessoas do mesmo sexo, nepotismo, mensalão e demarcação de terras de quilombolas, temas que estavam em discussão naquele ano no STF.
Rosa Weber não baixou a cabeça. Firme nas respostas, afirmou, por exemplo, que “se os homossexuais têm os mesmo deveres de todos os cidadãos, na minha visão individual não se justifica discriminação de qualquer natureza à luz da Constituição”.
Ela também comentou que o excesso de recursos é um grave problema a ser enfrentado pelo sistema judiciário, que o torna lento e injusto, mas se esquivou de responder se era favorável ou não ao foro privilegiado a parlamentares.
Fux, contra o foro privilegiado
O atual presidente do Supremo, Luiz Fux, foi indicado por Dilma e passou pela sabatina na CCJ do Senado há dez anos.
Na conversa com os parlamentares, Fux, um dos principais defensores da Operação Lava Jato na Corte, afirmou que políticos deveriam, sim, ser punidos caso cometessem irregularidades, mas ressaltou que isso não poderia ser feito com abusos na atuação da Justiça. “Não se pode, sob o manto da improbidade administrativa, cometer-se abuso de autoridade.”
O ministro prometeu também trabalhar pela aceleração dos julgamentos. “Fazer com que o autor que tenha razão aguarde as delongas do processo moroso é uma injustiça. Quem tem que suportar as delongas do processo é quem não tem razão”, filosofou.
Fux também exaltou a Lei Maria da Penha, de proteção às mulheres, mas evitou se posicionar sobre crimes contra homossexuais e não deu opinião sobre a extradição do italiano Cesare Battisti ou sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa, que impede candidaturas de políticos com condenação em segunda instãncia.
O presidente do STF anterior a Fux, Dias Toffoli, não teve vida fácil na comissão, em 2009. Sua sabatina demorou mais de oito horas.
Os parlamentares tinham sérias dúvidas se o ex-funcionário do PT (Partido dos Trabalhadores) atendia à exigência da vaga escrita na Constituição: “reputação ilibada e notório saber jurídico”.
O senador José Agripino (DEM-RN) disse que teve informações de que Toffoli havia sido reprovado em dois concursos públicos para juiz e já havia sido condenado em primeira instância em um processo no Amapá.
Alvaro Dias (PSDB-PR) lembrou que toda a trajetória política de Toffoli sempre esteve ligada ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, responsável por sua indicação, e questionou as qualificações profissionais do candidato.
Ao falar sobre o primeiro grande escândalo de corrupção dos governos petistas, garantiu que poderia participar do julgamento com total isenção. “Não me vejo impedido de julgar o caso mensalão. O trabalho que fiz no PT foi estritamente de Direito Eleitoral. Eu só atuei no Tribunal Superior Eleitoral. Não advoguei nesse caso e nunca participei de diretório ou comitê de campanha.”
Não ocorreram só críticas, no entanto. Até porque ele acabou aceito pela CCJ. O senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) fez Toffoli chorar ao afirmar que tem confiança na sua atuação como ministro do Supremo e que sua pouca idade, então com 41 anos, não seria um empecilho.
Entre os assuntos polêmicos, sempre abordados, mostrou-se contra a criminalização do aborto e defendeu o direito dos homossexuais.
“A homoafetividade é um fato do ser humano. Na hora de cobrar imposto, o Estado trata todos do mesmo jeito. Defendo a separação entre religião e Estado. Sou católico e não posso agir com a fé, tenho que agir conforme a Constituição.”
Cármem Lúcia: unanimidade
Em maio de 2006, Cármem Lúcia foi aprovada por unanimidade pela CCJ do Senado, fato raro.
Assim como Toffoli, ela foi escolhida por Lula.
“Cármen Lúcia é uma das maiores doutrinadoras do país; ajudou a formular o moderno Ministério Público e a moderna advocacia”, afirmou em um dos vários elogios do dia o senador Demostenes Torres (PFL-GO).
Em uma conversa com poucos atritos, a ministra, que assumiu a vaga em 21 de junho de 2006, afirmou defender as cotas para negros nas universidades como uma medida apenas temporária. “Fui uma das primeiras pessoas a escrever sobre ações afirmativas, em 1993, e a falar em cotas”, lembrou.
“Democráticos seremos, mesmo, no dia em que não precisarmos mais de cotas, em que as pessoas todas tiverem as mesmas oportunidades para disputar em igualdade de condições”, completou.
Três meses antes de Cármem foi a vez de Ricardo Lewandowski tentar a vaga de Carlos Velloso.
Naqueles meses se discutia a saída do ministro do STF Nelson Jobim e a possibilidade de ele se candidatar nas eleições no fim do ano. Lewandowski deixou claro que esse receio os senadores não precisavam ter em relação a ele. “Eu casei com a magistratura. Não tenho filiação partidária. Assumo que jamais me candidatarei a um cargo público.”
Ele também sugeriu um período de quarentena aos integrantes da Corte caso pensem em se candidatar.
Ao ser cobrado sobre sua estreita relação com Lula, descartou de qualquer chance de influência do Executivo em seu trabalho.
“Admiro o presidente, ele é um grande brasileiro que procura acertar na questão econômica. Realiza um belo trabalho, homem bem-intencionado, exemplo de humildade que chegou lá por esforço próprio. Sobre ele não pode pairar nenhuma dúvida. Fui criado em São Bernardo. Eu o conheci como todos no ABC o conhecem. Mas não tivemos um contato pessoal maior.”
Gilmar Mendes e o cerco petista
Um dos mais controversos integrantes do atual STF, e na época advogado-geral da União, Gilmar Mendes, teve uma sabatina bastante tumultuada em maio de 2002.
Para começar, ela foi adiada em uma semana depois que o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) pediu mais tempo para analisar a indicação do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) depois de surgir a informação de que Gilmar Mendes respondia a processos criminais e por improbidade administrativa.
Quando a sabatina foi realizada, Mendes afirmou que os processos eram perseguições de adversários seus por suas defesas na AGU (Advocacia-Geral da União).
Os senadores petistas se esforçaram para tornar difícil a aprovação. Suplicy afirmou que “basta consultar a lista de juristas que o apoiam para o STF para que se verifique que quase todos eles são notórios defensores das elites dominantes, dos grandes conglomerados econômicos e das diretrizes governamentais que espelham esses interesses”.
José Eduardo Dutra (PT-SE) disse que a visão jurídica do aspirante era seletiva e só via como positivos os temas que o beneficiavam.
Mendes não entrou nas provocações e afirmou que trabalhará “com toda a tranqüilidade” no Supremo, declarando-se impedido em casos específicos de ações em que se tenha manifestado como advogado-geral da União.
Ele também se mostrou um defensor da “tão combatida” Constituição, promulgada em 1988.
O mais antigo dos atuais integrantes do Supremo, Marco Aurélio Mello, entrou por indicação do ex-presidente e hoje senador por Alagoas, Fernando Collor de Mello.
Em uma fase de menos projeção dos ministros e de um STF com pouco apelo midiático, Marco Aurélio acabou não sendo pressionado mesmo havendo razões para isso.
Marco Aurélio se tornaria um dos mais polêmicos integrantes da Corte, com decisões questionáveis como a que tirou da cadeia neste mês o traficante André do Rap.
Sem futurologia, no entanto, bastava à oposição de Collor de Mello, maioria no Congresso, se ater ao fato de que Marco Aurélio era primo do presidente da República, uma proximidade no mínimo perigosa.
Em entrevista futura, o hoje ministro contou que se preparou bastante para responder a ataques sobre o parentesco com o chefe do Executivo e sobre eventuais acusações de ter uma visão limitada do Direito, por ocupar na ocasião o TST (Tribunal Superior do Trabalho), mas os questionamentos foram bem mais brandos do que esperava.
Também teve vida tranquila na sabatina Celso de Mello, o decano que se aposentou neste mês deixando a vaga que agora tenta ocupar Kassio Nunes Marques.
Celso de Mello foi escolhido pelo ex-presidente José Sarney, em 1989, e assumiu a cadeira no Supremo em 6 de junho daquele ano.
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