Desoneração: fim da lei deixa 17 setores em risco de colapso
A possibilidade de caducar a lei Lei 12.546/2011, que desonera a folha de pagamentos, coloca em alerta importantes setores da economia nacional, que empregam 6 milhões de pessoas e lutam, com graus diferentes de dificuldade, para se reerguer em meio à crise econômica trazida pelo novo coronavírus.
Veto à desoneração causará ‘crise social’, diz especialista em trabalho
O Senado Federal deve decidir no dia 4 de novembro se mantém ou não o veto do presidente Jair Bolsonaro à prorrogação até o fim de 2021 do benefício que permite o recolhimento do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) pela receita bruta, e não pela folha.
Além dos 17 segmentos atualmente contemplados (eram 28 até 2018) na lei criada em 2011, há dramas maiores ou menores, e empresários preocupadíssimos em todos eles.
O setor de transporte, por exemplo, com três dos 17 segmentos favorecidos pela legislação , foi um dos que mais sofreu com a paralisação da economia em 2020. No acumulado de janeiro a agosto, a perda foi de 63.762 funcionários. São 249.388 registradas com carteira assinada, segundo a CNT (Conferação Nacional dos Transportes).
A associação cita em seu site dados do Ministério da Economia de 14 de setembro, segundo os quais “o segmento de transporte de passageiros ocupa quatro das cinco primeiras posições na lista de atividades mais afetadas pela pandemia; enquanto o transporte rodoviário de cargas também figura na lista, na 27ª colocação”.
Aumento no desemprego à vista
Como não só os veículos pararam, outras áreas também apostam em cenários tenebrosos.
A ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção) projeta 40 mil demissões até o fim de 2021, com despesa extra de R$ 300 milhões aos fabricantes.
Os empresários do ramo calçadista, que, segundo dados da Abicalçados (Associação Brasildeira da Indústria de Calçados), fechou 43 mil postos de trabalho de janeiro a agosto deste ano, veem no fim da lei um acréscimo na carga tributária de R$ 570 milhões ao ano.
Após queda de 36% na produção de calçados neste ano, eles esperavam um 2021 de retomada. Se o Congresso não derrubar o veto, 15 mil dos 270 mil funcionários podem perder seus empregos.
A demissão é maior ainda no serviço de call center, que ameaça mandar 120 mil trabalhadores para a rua. De acordo com a ABT (Associação Brasileira de Telesserviços), o setor emprega 440 mil.
Em nota em seu site, a ABT afirma que “desde que a lei de desoneração entrou em vigor, em 2012, as empresas de telesserviços investiram R$ 1,3 bilhão na construção de 37 novas plataformas em várias regiões do país e, em especial, Norte e Nordeste, sendo criados mais de 73 mil novos postos de trabalho, gerando empregos, renda e impostos em cidades onde essa atividade tornou a maior fonte de empregos”.
A Brasscom (Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação), da área de TI, estima que 300 mil postos de trabalho deixarão de ser criados em cinco anos com o fim da desoneração. E acredita na demissão de 97 mil funcionários do segmento caso o veto do presidente Jair Bolsonaro à prorrogação do incentivo fiscal não seja derrubado.
Números grandiosos também têm a construção civil do país. O nicho, de extrema relevância para a economia do país, comemora índices altos de emprego em setembro, com os maiores números registrados desde abril de 2012, mas teme um freio nessa empolgação.
De acordo com o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), 2.225.389 trabalhadores com carteira assinada no país nessa área.
De janeiro a agosto, o saldo entre admissões e demissões na construção no acumulado do ano é positivo: foram criadas 58.464 vagas.
A onda de desligamentos não poupou o setor de comunicação durante as crises sanitária e econômica e, se nada for feito, a situação pode se agravar em 2021.
A ANJ (Associação Nacional de Jornais) teme principalmente o fim dos pequenas empresas do setor, criando “desertos de informação” no interior do Brasil.
A entidade disse que a pandemia levou ao fechamento de 30 veículos de comunicação até julho e a tendência é que esse número aumente, “em um momento em que o papel do profissional de imprensa ganha ainda mais destaque”.
Exportações
A manutenção do veto pode afetar as exportações do país, por afetar diretamente setores que vendem muito lá fora.
As indústrias que trabalham com couro são um exemplo. O ramo, responsável por 30 mil empregos diretos e que movimenta U$ 2 bilhões ao ano, é também importante na balança comercial brasileira, por exportar artigos a 80 países. São 244 plantas curtidoras no Brasil, com 2.800 indústrias de componentes e calçados e 120 fábricas de máquinas e equipamentos.
A ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal), representante de outro setor contemplado pela desoneração, lembra que mesmo durante a pandemia, conseguiu contratar. E tinha a intenção, de abrir mais 50 mil postos no ano que vem.
A cadeia emprega diretamente mais de 500 mil brasileiros em frigoríficos por todos o país e é responsável pelo trabalho indireto de cerca de 4 milhões de pessoas.
O setor de veículos, que fechou setembro com 122.100 funcionários nas montadoras, 4,5% menos que os 127,9 mil do mesmo mês de 2019, também contava com a redução do imposto e vê ainda mais demissões caso a opção pelo recolhimento pela receita bruta deixa de existir.
A produção de automóveis de janeiro a setembro foi 38,6% menor que a do mesmo período de 2019 e mais de 70% dos funcionários foram afetados por redução de salários e jornadas. O ano que vem seria o ano da retomada, que começa mais complicado se as montadoras pagarem impostos de 20% em cima da folha de pagamentos, alegam as entidades e empresas do segmento.
O setor de maquinas e equipamentos, responsável por empregar mais de 300 mil pessoas no país, é um segmento cujo desempenho serve como medidor dos demais setores da economia e também tem peso nas exportações.
De acordo com a Abima (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), boa parte das cerca de 7.800 empresas associadas terão problemas com o caixa se houver mudanças na tributação.
O professor Eduardo Natal, especialista em Direito e Processo Tributário e sócio do escritório Natal & Manssur, explica que a lei é confusa em alguns aspectos. Um deles está na dificuldade em se determinar exatamente qual a atividade que se enquadra na desoneração.
“Existem companhias que desenvolvem uma primeira atividade de call center (desonerada) e uma segunda, de analise de cadastro para prevenção de fraudes (onerada). Portanto, cada atividade possui uma CNAE [Classificação Nacional de Atividades Econômicas} específica, sendo que uma está na desoneração e a outra não”, explicou Natal.
“Isso gerou muitos problemas de gestão. Uma parte da folha ficava submetida pelo CNAE ao cálculo pela receita bruta e outra parte, que não estava ligada àquela atividade descrita na lei, recolhia em cima da folha de pagamento. Duas apurações diferentes dentro da mesma empresa.”
Veja abaixo quais são os 17 setores que lutam pela derrubada do veto de Bolsonaro no Congresso: calçados, call center, comunicação, confecção/vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carroçarias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, TI (tecnologia da informação), TIC (tecnologia de comunicação), projeto de circuitos integrados, ransporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas.