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Anvisa, Butantan e Bolsonaro erraram na suspensão dos testes da CoronaVac, diz epidemiologista

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BBC NEWS BRASIL

Anvisa, Butantan e Bolsonaro erraram na suspensão dos testes da CoronaVac, diz epidemiologista


A terça-feira (10/11) foi tomada por entrevistas, manifestações e notícias bombásticas envolvendo a CoronaVac, a candidata à vacina contra a covid-19 que está sendo testada pelo laboratório chinês Sinovac e pelo Instituto Butantan, em São Paulo.

Esse imbróglio começou na noite de segunda-feira (09/11), quando saíram as primeiras informações de que os testes clínicos de fase 3 (os últimos antes da aprovação pelas agências regulatórias) seriam paralisados após a notificação de um “evento adverso grave não esperado”.

Pelas informações divulgadas até o momento, o “evento” seria a morte de um voluntário que participava do estudo, no dia 29 de outubro. A causa parece ter sido suicídio ou overdose.

Ao longo do dia, todos os atores envolvidos no assunto se manifestaram por meio de comunicados ou coletivas de imprensa. Cada um explicou sua versão e aproveitou o espaço para tecer críticas sobre a atuação das outras entidades.

De acordo com a médica epidemiologista Denise Garrett, que trabalhou mais de 23 anos no CDC foram cometidos muitas falhas em todo esse processo.

“Na interrupção dos testes da CoronaVac, Anvisa, Butantan e Bolsonaro erraram”, avalia.

A especialista é vice-presidente dos Programas de Epidiomologia Aplicada do Instituto Sabin de Vacinas — entidade sem fins lucrativos baseada nos Estados Unidos que trabalha para expandir a imunização a todos os cantos do mundo — e trabalhou mais de 23 anos nos CDC, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças, ligados ao Departamento de Saúde do país.

As regras do jogo

A notificação de eventos adversos é algo relativamente comum durante o processo de desenvolvimento de vacinas. Afinal, os testes são feitos justamente para ver se o produto é eficaz e não produz efeitos colaterais indesejáveis antes de ser oferecido em larga escala.

Nos últimos meses, outros candidatos a imunizantes contra a covid-19 tiveram suas pesquisas paradas para uma análise mais cuidadosa. Em setembro, a formulação da AstraZeneca e da Universidade de Oxford, por exemplo, passou por essa revisão. Um mês depois, em outubro, foi a vez do produto da Johnson & Johnson receber um freio.

Depois de um tempo, quando as autoridades se certificaram de que não havia problemas graves, esses estudos puderam ser retomados e seguem em curso atualmente.

Mas como acontece essa avaliação? Geralmente, os responsáveis pelo acompanhamento dos testes clínicos fazem relatórios e informam os efeitos colaterais que aparecem pelo caminho.

Se algo mais sério acontece com algum voluntário, como sequelas, incapacidade ou morte, os cientistas precisam notificar as agências regulatórias, que acompanham e aprovam todo o processo. No Brasil, essa entidade é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa.

Após essa comunicação, que deve acontecer em até sete ou 15 dias corridos, o estudo tem que ser paralisado até que se saiba de verdade o que aconteceu. O voluntário que teve efeitos colaterais pertencia ao grupo que tomou a vacina mesmo? Ou ele recebeu placebo (substância sem nenhum efeito)? Essa complicação tem algo a ver com o imunizante? Ou há alguma outra explicação para o seu aparecimento?

Essas perguntas são esclarecidas e, depois, avaliadas por um comitê de especialistas independente, que não está envolvido diretamente com a vacina em questão. Esse grupo passa as orientações e os pareceres de volta à agência regulatória, que toma a sua decisão.

Se, durante essa investigação, ficar comprovado que a vacina não teve nada a ver com o problema, a pesquisa pode ser liberada. Caso a culpa seja mesmo do imunizante, daí a situação fica bem mais complicada.

Sucessão de mancadas

No imbróglio da CoronaVac, o primeiro erro parece ter sido do Instituto Butantan. Isso porque, de acordo com as regras, a morte de um voluntário deve parar os testes imediatamente (ou com relativa rapidez). E essa decisão não deve ser tomada pelos responsáveis pelo estudo, mas pela agência regulatória e pelo comitê independente de avaliação.

Segundo uma resolução de 2015 da Anvisa, os investigadores do estudo precisam comunicar as entidades responsáveis pelas vacinas em até 24 horas. Essas instituições, por sua vez, devem notificar a agência regulatória em oito ou 15 dias, a depender do tipo do evento que foi observado.

Pelas últimas notícias, o Instituto Butantan fez a notificação à Anvisa dentro do prazo, no dia 6 de outubro. Porém, a agência disse que seu sistema online estava sofrendo ataques de hackers e que, por problemas técnicos, só recebeu a comunicação no início da noite do dia 9 de novembro, segunda-feira passada.

Horas depois, a Anvisa tomou a decisão de suspender os ensaios clínicos.

Mas será que é preciso ter esse cuidado todo, mesmo se os especialistas sabiam que o motivo da morte foi suicídio ou overdose? A resposta é sim.

“Pode até estar muito claro que aquele óbito não foi por conta do imunizante. Porém, essa decisão não é dos cientistas que trabalham no ensaio clínico, mas, sim, do comitê que faz o monitoramento dos dados e da segurança”, explica Garrett.

Em entrevista coletiva realizada na terça-feira, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, deu seu ponto de vista. Ele disse que uma paralisação como essa causa sofrimento, dor e insegurança nos voluntários. “Do ponto de vista clínico do caso, é impossível que haja relação desse evento [a morte] com a vacina, é impossível”.

Um pouco mais tarde, foi a vez da Anvisa apresentar seus argumentos. Gustavo Mendes, gerente-geral de medicamentos e produtos biológicos da autarquia, afirmou que a suspensão será mantida até que sejam apresentados dados de que está tudo bem com a pesquisa da CoronaVac.

“Vamos usar do princípio da cautela, para que a vacina seja disponibilizada à população quando tivermos certeza de sua segurança”, discursou.

A falha derradeira

Para finalizar, a médica epidemiologista aponta mais um lado errado em toda essa história: Jair Bolsonaro. Em resposta a uma postagem no Facebook, o presidente escreveu:

“Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar a todos os paulistanos tomá-la. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”.

A comunicação do presidente diz, de maneira equivocada, que a vacina seria a responsável pela morte e por outros eventos adversos, como “invalidez” e “anomalia”. Nenhuma dessas informações pode ser confirmada com as evidências científicas disponíveis no momento.

Garrett aponta que o interesse comum de todo mundo deveria ser combater a pandemia e salvar vidas. “Só dois agentes ganharam com essa fala: o próprio presidente e o vírus. A posição dele foi muito narcisista e em nenhum momento ele se importou com o bem da população — que ele deveria defender. É lamentável que um líder de um país faça uma declaração como essa”.

A médica acredita que a polarização política atrapalha a corrida por uma vacina contra a covid-19. “Todo mundo está tenso e irritado. Isso faz que todos tenham uma opinião e queiram dizer coisas sem saber direito do que se trata. É hora de ter bom senso”, avalia.

Os próximos passos

Diante de toda a disputa, é esperado que os dados sejam organizados para que o comitê independente de avaliadores dê um parecer para a continuidade (ou não) dos estudos com a CoronaVac.

Os estudos clínicos de fase 3 dessa candidata à vacina começaram no dia 21 de julho e pretendem incluir mais de 13 mil voluntários no Brasil. Ela também é testada atualmente na Turquia e na Indonésia.

O imunizante é feito a partir do vírus inativado e precisa da aplicação de duas doses com um intervalo de 14 dias entre elas.

BBC NEWS BRASIL
Fonte: R7

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