Segundo turno de 2020 pode ser ‘embrião’ de frente de esquerda para 2022?
O segundo turno das eleições de 2020 pode ser visto, de certa forma, como um “ensaio geral” de uma coalizão de partidos de esquerda para as eleições gerais de 2022.
É o que disseram à BBC News Brasil os presidentes nacionais de PSOL, PCdoB e do PDT, e o secretário-geral do PT.
Os dirigentes têm em mente as disputas em São Paulo (SP), Porto Alegre (RS) e Fortaleza (CE), onde Guilherme Boulos (PSOL), Manuela D’Ávila (PCdoB) e José Sarto (PDT), respectivamente, chegaram ao segundo turno e conseguiram aglutinar o apoio dos principais partidos de esquerda.
Siglas deste campo político estão representadas em 27 das 57 cidades nas quais haverá segundo turno neste domingo (29). O número representa 47% do total.
Apesar do otimismo, os próprios chefes dos partidos são cautelosos ao tratar do assunto.
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Há vários gargalos que podem impedir a formação de uma frente de esquerda, desde divergências sobre a escolha do cabeça de chapa em uma eventual candidatura presidencial até a possibilidade incluir partidos de centro-direita em uma possível aliança anti-Bolsonaro.
De todos os dirigentes partidários consultados pela BBC News Brasil, o único que divergiu foi o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira. Para ele, as eleições de 2020 foram um “ensaio da divisão” da esquerda, e não um ensaio de uma unidade futura.
Para o cientista político Cláudio Couto, especialista em gestão pública pela FGV de São Paulo, a união de partidos de esquerda no segundo turno em várias cidades é um sinal positivo do ponto de vista deste campo político. Mas não significa necessariamente que estes partidos estarão juntos em 2022.
“É claro que fica mais fácil para estes partidos se juntarem depois (em 2022), se conseguiram se juntar agora numa composição mais simples, que é a de segundo turno. O caso de (Guilherme) Boulos foi interessante, porque juntou todo mundo. Agora, isso é uma coisa, a eleição presidencial é outra. Os partidos vão querer ter seus próprios candidatos, temos que ver como vai ficar a montagem dos palanques lá na frente”, diz ele.
“A notícia boa, do ponto de vista da esquerda, é que esses partidos já estão conseguindo conversar de novo. Mas isso, por si só, não é garantia de que uma coisa se converta na outra (em uma união das esquerdas em 2020)”, diz Couto.
‘Tem um grau de ensaio sim’, diz secretário-geral do PT
“Você tem graus de unidade nacional. Você tem, por exemplo, o Guilherme Boulos em São Paulo (com o apoio da maioria dos partidos de esquerda); você tem Manuela D’Ávila no Rio Grande do Sul; você tem Edmilson Rodrigues (do PSOL) em Belém do Pará. Então, tem um grau sim de ensaio (para 2022). Não sei se vai abranger todos os partidos”, diz o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), secretário-geral do partido.
“São Paulo e Rio Grande do Sul, que você mencionou, foi onde se chegou ao maior grau de unidade. Mas tem outros lugares em que o PT está junto com o PCdoB e o PSOL (como Recife). Então eu acho que é um ensaio sim”, disse ele à BBC News Brasil.
Luciana Santos é a presidente nacional do PCdoB, e atual vice-governadora de Pernambuco na gestão de Paulo Câmara (PSB). À BBC News Brasil ela faz coro com Paulo Teixeira e diz “não ter dúvida” de que 2020 é um “ensaio” de 2022.
Os presidentes dos partidos de esquerda mantêm contato frequente por meio de um grupo de WhatsApp, conta ela.
“A resultante de 2020 é a de que as forças explicitamente bolsonaristas, de extrema-direita, foram derrotadas. Quem se sobressaiu foi a centro-direita, mas a esquerda também conseguiu posições relevantes, que demonstram a vitalidade do nosso campo”, diz Luciana Santos.
“Penso que um dos nossos principais problemas (em 2018) foi a falta de unidade política no nosso campo. A resistência a Bolsonaro se deu de maneira muito dispersa, sem uma unidade tática. Então, quando você observa esse cenário de Belém (onde os partidos de esquerda apoiam Edmilson Rodrigues, do PSOL), o cenário de Porto Alegre, o cenário de São Paulo, o de Fortaleza, você vê que essa unidade é possível”, diz a vice-governadora.
O presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, também está otimista — mas mantém a cautela.
“Eu estava na coordenação da campanha (presidencial) do Guilherme Boulos em 2018. E, ao final do primeiro turno, o ambiente entre os partidos que naquela época faziam oposição ao (ex-presidente) Michel Temer (MDB) era muito pior do que está hoje. Então, eu diria que sim, nós avançamos, e a eleição de 2020 ajudou a melhorar as condições para um melhor diálogo da oposição, com vistas a 2022”, diz ele.
“O outro ponto é que isso, por si só, não é suficiente para afirmar que estão constituídas as bases para uma unidade eleitoral em 2022. Mas é algo positivo, ajuda a criar essa possibilidade”, diz ele.
Outro que prefere a cautela é o presidente do PDT, o ex-ministro Carlos Lupi.
“O projeto municipal é um projeto que… em 90% dos casos, está muito mais afeito à realidade em cada um dos locais. Como é que está o posto de saúde, como é que está a escola. Então, na maioria das vezes, é essa realidade que o povo está julgando. Em algumas cidades que são polos, tipo São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, é que você tem uma conotação mais política, de política macro, nacional”, diz Lupi.
“Agora, se isso vai ter consequência para as eleições de 2022, tem muita coisa para acontecer ainda. A gente tem que esperar passar essa fase de segundo turno para saber a evolução desse processo”, diz ele.
Presidente do PSB: 2020 foi ‘ensaio da divisão’ da esquerda
Ao contrário dos outros presidentes de partidos ouvidos pela BBC News Brasil, o presidente do PSB, Carlos Siqueira, não vê a disputa de 2020 como um bom augúrio.
A eleição municipal deste ano é um “ensaio da divisão” dos partidos de esquerda, e não de uma possível frente, na avaliação de Siqueira.
“O PT decidiu, como disse (o ex-presidente Luiz Inácio) Lula (da Silva) logo ao sair da prisão (em novembro de 2019), que ia ter candidato em todos os lugares, e teve em muitos. Mais do que devia. E isso não permitiu a unidade da esquerda. Ao invés de ser um ensaio de unidade, foi um ensaio de divisão, infelizmente. A esquerda estava toda dividida”, diz ele.
“Em São Paulo, tinha três candidatos (Márcio França, do PSB; Jilmar Tatto, do PT; e Guilherme Boulos, do PSOL). No Rio, tinha três candidatos (Benedita da Silva, do PT; Delegada Martha Rocha, do PDT; e Bandeira de Mello, da Rede)”, enumera.
“O maior partido de esquerda (o PT) resolveu manter o exclusivismo dele, e manter as candidaturas em tudo quanto foi lugar. Então não há nenhum vislumbre de unidade não. Não quer dizer que não possa haver, mas não que tenha havido esse esforço nas eleições municipais. Nas eleições municipais, houve um esforço de divisão, não de unidade.”
O socialista diz ainda que “conversou à exaustão” com dirigentes petistas em busca de um acordo antes das eleições deste ano. Seus interlocutores no PT foram a presidente nacional da legenda, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), e o secretário-geral da sigla, o também deputado Paulo Teixeira (SP).
“A minha tese era de que onde um partido tiver seu principal candidato, o outro abre mão, fica de vice, e assim por diante. Quando se exauriu (a possibilidade de acordo) no Rio e em São Paulo, eu propus que fosse pelo menos no Nordeste. O PT em Salvador com o apoio de todos; o PSB em Pernambuco; e o PDT em Fortaleza. Também não aceitaram. Com isso, quando houve esse esforço de divisão do PT, nós procuramos a Rede, o PDT e o PV e fizemos alianças em oito capitais”, detalha Siqueira.
O secretário-geral do PT, Paulo Teixeira, rebate as acusações feitas pelo presidente do PSB — para o petista, o socialista estaria apenas magoado com a disputa em Recife, onde os dois partidos disputam o segundo turno com Marília Arraes (PT) e João Campos (PSB).
“O tema de Recife está muito quente para ele. Ele está muito bravo com Recife (…). Mas isso tem que esperar acabar a eleição, curar as feridas e ir pra frente”, disse.
“A única dificuldade dos dois partidos foi em Recife. Que agora está numa disputa final”, disse Teixeira.
Teixeira diz ainda que não se pode descartar a possibilidade de os partidos de esquerda terem um único candidato em 2022.
“Recentemente tivemos notícias sobre a conversa do Lula com Ciro Gomes. Então, não dá para descartar”, disse.
‘Hegemonia’ do PT e aliança com ‘golpistas’
Conforme as conversas com os presidentes de partidos avançam, ficam claras as divergências entre eles — desde a possibilidade de fechar alianças com partidos de centro-direita até o fato de o PT não abrir mão da cabeça de chapa numa disputa presidencial.
O presidente do PSOL, Juliano Medeiros, diz que a construção de uma eventual unidade de esquerda em 2022 passa pela construção de um acordo mínimo entre os partidos em torno de propostas, como a recuperação do papel do Estado e dos serviços públicos.
“E claro, para nós (do PSOL), isso não inclui a incorporação no governo das velhas forças que promoveram o golpe de 2016. Ou que dão sustentação ao governo Bolsonaro”, diz ele, referindo-se ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
É uma visão bem diferente daquela de Luciana Santos, do PCdoB. Ao dividir o espectro político brasileiro em quem apoiou ou não o impeachment, a esquerda brasileira estaria destinada a permanecer isolada, diz ela.
“Acho que, para além da unidade da esquerda, nós necessitamos de uma frente mais ampla. Isso que eu considero que é o grande desafio para que a gente possa derrotar mais uma vez a extrema-direita no pleito principal, que é a eleição para presidente da República, para governadores e para deputados federais. Então está posto aí o desafio, mas eu sou otimista dessas possibilidades”, diz Luciana Santos.
“Aliás, foi assim que foi possível ganhar com Lula a 18 anos atrás (em 2003). Foi quando a gente foi capaz, de em vários Estados da federação, a gente ter personalidades e lideranças políticas da centro-direita que se posicionaram a favor da eleição nacional de Lula. Então esse exercício de alianças amplas foi o que sempre possibilitou, na história do Brasil, passos adiante numa agenda mais progressista, mais inclusiva”, diz ela.
Outro ponto de atrito é a questão dos candidatos — PDT e PSB acusam o PT de ser “hegemonista” e não abrir mão de liderar o grupo.
“Acho difícil, muito difícil (o PT abrir mão da cabeça de chapa em 2022). Vai depender do quadro, de quem serão os candidatos, de quem se coloca nessa disputa. Nós temos o nome do (ex-ministro) Ciro (Gomes), que é um nome que a gente quer. Como você falou no início, tem muita água para rolar”, disse o presidente pedetista Carlos Lupi.
Já Paulo Teixeira diz que é “natural” o PT lançar candidatos, e evita responder sobre se a sigla pode abrir mão da cabeça de chapa em 2022.
“O que eu quero dizer para você é que, quando você discute uma frente, tem que analisar todos os nomes. O PT tem o nome do Lula. Se o Lula tiver todos os obstáculos superados, o nome dele é um grande nome. Tem o nome do (ex-prefeito de São Paulo Fernando) Haddad, que teve uma quantidade enorme de votos (na disputa presidencial de 2018). Então acho que tem que partir de uma realidade. O PT tem nomes para apresentar. Temos vários”, diz.
“Então não dá para você chegar e dizer… por que que o PT haveria de chegar agora e discutir, de partida, não ter um nome? Não tem sentido”, diz Teixeira.