Por que as fabricantes estão trocando o Brasil pelo México?
A indústria automotiva brasileira vive um impasse sem precedentes que só foi acentuado pela pandemia do novo coronavírus. Ao longo da última década, muitas fabricantes estabeleceram plantas para a produção de novos veículos locais, mas a decisão já não se mostra tão lucrativa para a maioria.
É o caso de Audi , Mercedes-Benz e Land Rover . A fabricante das quatro argolas deverá encerrar sua produção nacional no fim de 2020, colocando um ponto final na vida do Audi A3 Sedan nacional. Em seguida, o complexo de São José dos Pinhais (PR) corre risco de ser totalmente incorporado pela Volkswagen.
Conforme apurado pelo site alemão Handelsblatt com um executivo do alto-escalão da Daimler, a Mercedes-Benz pensa em fechar o Complexo Industrial de Iracemápolis (SP). Em 2016, a matriz alemã investiu 145 milhões de euros na planta, gerando cerca de 600 novos empregos na região. Mas segundo o executivo, a situação política instável, as vendas em baixa e a desvalorização do real na comparação com as moedas internacionais dificultam as operações no Brasil.
Por fim, a fábrica da Land Rover em Itatiaia (RJ) monta apenas um modelo, o Discovery Sport. As vendas desanimam, e o complexo da marca britânica produz oito vezes menos do que foi previsto durante a inauguração.
Há uma saída?
Aparentemente, sim. O México tem se tornado uma espécie de “China” das Américas; um ponto estratégico para manter fábricas de grande volume. Todas as fabricantes brasileiras tradicionais (Fiat, Chevrolet, Volkswagen e Ford) contam com complexos industriais no país, assim como as japonesas (Honda, Nissan e Toyota).
Entre as marcas mais populares do Brasil, apenas as francesas (Renault, Peugeot e Citroën) não contam com fábricas no México; e o motivo é uma das principais características daquele país.
Atendendo as Américas
O México tem posição estratégica no continente. Ali são feitos os carros que podem ser exportados para o resto da América do Norte, América Central, Caribe e América do Sul. Como as marcas francesas não contam com operações nos Estados Unidos, Canadá e Caribe, não há motivo para ter uma fábrica no México.
Por outro lado, o México acaba sendo muito interessante para todas as outras montadoras. Em tempos de vendas enxutas e revoluções de mobilidade, é mais barato investir em apenas uma linha de produção para abastecer o continente. É o caso de veículos como VW Jetta, Chevrolet Equinox, Nissan Versa e Audi Q5.
A Volkswagen chegou a fabricar o Jetta simultaneamente no México e no Brasil em 2015, mas hoje o modelo não está mais presente na gama de veículos nacionais. Este promete ser um caminho sem volta para a indústria automotiva ao longo da década, mas a localização geográfica do México não é o único tópico que torna as operações no país tão interessantes.
Custos trabalhistas
Um estudo da Anfavea (Associação Nacional das Fabricantes de Veículos) aponta que o carro brasileiro custa até 44% a mais para ser produzido na comparação com o México. Isso ocorre por conta dos custos trabalhistas, que são mais baixos.
Isso não significa necessariamente que os mexicanos ganham menos que os funcionários brasileiros. O salário mínimo no país, em conversão simples, é de R$ 33,25 por dia. No Brasil, o salário mínimo diário é de R$ 34,83.
Segundo o Departamento de Estatística do Trabalho dos Estados Unidos, os encargos trabalhistas brasileiros já correspondem a 32,4% dos custos de mão de obra da indústria. No México, este número fica na faixa de 27%. Estes são os gastos que um empregador tem com décimo-terceiro, adicionais de remuneração, férias, licenças e auxílio transporte e alimentação.
Condições de trabalho
A CLT (Consolidação das Leis de Trabalho) prevê um período de férias de 30 dias para os trabalhadores brasileiros registrados. No México, um funcionário que acabou de iniciar sua carreira profissional terá apenas seis dias úteis de descanso por ano, segundo a “Ley Federal Del Trabajo”.
Para cada ano trabalhado, o funcionário somará dois dias úteis às férias . Além disso, as leis mexicanas não autorizam que o trabalhador “venda” suas férias, como acontece na CLT brasileira.
Outro tópico que justifica as operações no México é o tempo limite para a licença-maternidade . No Brasil, este período pode chegar a 180 dias, enquanto o governo mexicano autoriza apenas 90 dias (45 dias antes e 45 dias depois do parto).
Acordo de livre comércio
O Brasil ainda se beneficia de um acordo comercial firmado há quase 20 anos com o governo mexicano, recurso que proporciona redução de impostos para veículos que são importados de lá.
Em julho de 2020, o acordo que compreendia apenas a venda de automóveis e comerciais leves passou a incluir caminhões e ônibus. Dessa forma, as tarifas de importação serão reduzidas progressivamente, até que sejam zeradas em meados de 2023.
Com a crise econômica e a desvalorização do real, o acordo de livre comércio desestimula novos investimentos para a produção de automóveis no Brasil. O melhor exemplo é o novo Nissan Versa , modelo que ainda não tem previsão para ser nacionalizado em Resende (RJ), ao lado do Kicks. Ao menos nos próximos anos, ele continuará sendo produzido apenas no México e exportado sem taxas para o Brasil.
Novo destino
São vários os motivos para que as fabricantes troquem o Brasil pelo México . Ainda segundo a fonte da Mercedes-Benz consultada pelo site alemão Handelsblatt, a marca está projetando uma parceria com a Nissan para começar a fabricar seus veículos no Complexo Industrial de Aguascalientes. Isso, é claro, depois que os portões da fábrica de Iracemápolis forem fechados.
Em 2015, a Land Rover chegou a projetar uma fábrica no país para aumentar sua presença nas Américas, mas os planos esfriaram sem muitas explicações. Já a Honda poderá passar a produção da próxima geração do Civic para o México. O modelo atualmente fabricado em Sumaré (SP) foi afetado pelo preço das moedas internacionais, e ficaria muito caro para ser montado por aqui em 2021.
Outro exemplo fica por conta da Ford , que vai fabricar o novo utilitário esportivo Bronco no México, de onde virá ao Brasil, a partir do ano que vem. Em 2022, é provável que também venha a picape Maverick, menor que a Ranger e que pode brigar com a Fiat Toro, a líder do segmento.
Enquanto a Anfavea revela que o risco de paralisação da indústria automotiva nacional por falta de insumos é alto, o México continua se mostrando como um “coringa” nas mãos das fabricantes.