Lei da Integração completa cinco anos
Quando se sentou à mesa de negociação naquele novembro de 2016, o suinocultor Emanoel Choaire tinha a percepção de que participava de algo que mudaria a relação entre integrados e a agroindústria. Tratava-se da primeira reunião no Paraná de uma Comissão para Acompanhamento, Desenvolvimento e Conciliação da Integração (Cadec), constituída de forma paritária por produtores e representantes da empresa. Nunca, até então, suinocultores de Carambeí, nos Campos Gerais, e do Paraná tinham tido a oportunidade de negociar de igual para igual com empresários – no caso, com representantes da Seara/JBS, à qual trabalhavam em regime de integração. Logo depois na primeira pauta, os produtores foram atendidos: conseguiram um reajuste de 5% no preço-base do leitão.
“Essa primeira reunião é a de que eu mais lembro. Foi uma reunião tensa. Estávamos havia quase seis anos sem reajuste. Aí, tivemos essa vitória. A partir dali, as coisas só melhoraram”, relembra Choaire. “Hoje, a relação entre produtores e a agroindústria está bem tranquila. Todas as partes são ouvidas, cada um mostra o seu lado e chegamos a um consenso. Sempre vão ter impasses, mas temos esse canal de diálogo, que é importante. Estamos no caminho certo”, afirma o suinocultor.
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Instrumento que viabilizou o diálogo, a Cadec foi criada graças à Lei da Integração (Lei 13.288/2016), que tinha sido sancionada cinco meses antes, em maio de 2016. Ao completar cinco anos, o marco regulatório tem sido determinante para consolidar o diálogo entre integrados e integradoras, criando consenso com transparência e equidade. Principal fórum de equilíbrio previsto pela lei, as Cadecs se disseminaram pelo território paranaense – Estado com o maior número de comissões instaladas. O Paraná tem 24 Cadecs já consolidadas – 18 na avicultura e 6 na suinocultura –, além de oito em processo de implantação. Não à toa, o Paraná serve como referência ao restante do país, a ponto de ter inspirado a criação do “Projeto Cadec Brasil”, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que tem por objetivo fomentar e dar suporte à instituição de comissões em integrações de todas as regiões.
Equilíbrio
Mas por que a Lei da Integração e, por conseguinte, as Cadecs são tão importantes para manter o equilíbrio entre produtores e integradoras? Para responder a essa questão é preciso olhar o período anterior ao marco regulatório. Embora o regime de integração já exista no Brasil desde a década de 1960, não havia uma legislação que regulamentasse a relação entre integrados e a agroindústria. Muitos dos contratos eram firmados como “parceria”, de acordo com mecanismos do Estatuto da Terra. Nesse contexto, os produtores ficavam em condições desfavoráveis, já que os termos dos contratos ficavam nas mãos das empresas. Então não havia espaços para resolver impasses ou conflitos. Assim, muitos casos acabavam indo parar na justiça.
“A lei define o que é um contrato de integração e parâmetros mínimos, com obrigações e direitos para o integrado e para a integradora. Estabelece, por exemplo, que parâmetros os contratos devem ter”, resume o técnico Ruan Felipe Schwertner, do Departamento Jurídico do Sistema FAEP/SENAR-PR. “Na prática, antes da lei, os produtores não tinham força nem para discutir termos do contrato. O poder ficava nas mãos da integradora”, acrescenta.
Estímulo às Cadecs
Além de estabelecer as regras para a integração, a legislação instituiu as Cadecs como um espaço para minimizar impasses entre integrados e a agroindústria, visando a construção do consenso entre as partes. Ciente da importância dessas comissões para dar voz aos produtores rurais, com a sanção da lei, o Sistema FAEP/SENAR-PR criou o Núcleo de Cadecs, com o objetivo de estimular a criação e consolidação de comissões nas unidades produtivas conduzidas em regime de integração no Paraná. Na prática, a Federação acabou se tornando o grande agente responsável para que o Estado viesse a se tornar referência nacional no que diz respeito à integração.
Constituído por profissionais do Sistema FAEP/SENAR-PR, o núcleo vem prestando todo tipo de assessoramento às Cadecs, desde a realização de assembleias no interior tirando dúvidas sobre as comissões, auxiliando produtores na elaboração do regimento interno e subsidiando-os com informações técnicas para negociações com a agroindústria. Essa equipe continua disponível, prestando apoio aos integrados de todo o Estado.
“A Federação foi o agente que fez a diferença. Quando a lei foi criada, a FAEP disseminou a informação no campo, unindo produtores e agroindústria. É um trabalho que não se restringiu a formar as Cadecs, mas prestamos assessoria permanente. Chegam muitos pedidos para palestras, auxílios para realização de assembleias, instruções para realização de eleições, pedidos de pareceres. Tudo isso é uma prioridade para a Federação”, ressalta Mariana Assolari, técnica do Departamento Técnico (Detec) do Sistema FAEP/SENAR-PR e responsável pela cadeia da avicultura. “O trabalho tem sido um sucesso, tanto que o Paraná é quem tem mais Cadecs”, complementa.
Quem atua diretamente na prestação dessa assessoria é testemunha dos resultados obtidos lá na ponta, principalmente a partir da equidade entre os agentes da integração. “A lei trouxe muitos benefícios. Nós percebemos que nas integrações em que há Cadec, os produtores têm uma melhor gestão de sua produção e as demandas são atendidas. Eles têm condições de se fazer ouvir pela agroindústria. Ocorreram reajustes que, antes, não eram feitos e uma relação mais clara. As Cadecs trouxeram os dois – produtores e indústria – para essa relação paritária, mais aberta e com diálogo permanente”, observa Nicolle Wilsek, técnica do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR e responsável pela cadeia da suinocultura.
Conquistas
O produtor rural Carlos Eduardo Maia começou na avicultura em 2016, atraído pelas perspectivas de rentabilidade e pelo giro financeiro da atividade. Logo no início, por meio da FAEP, passou a ouvir sobre a Lei da Integração, que tinha sido sancionada havia pouco tempo. A partir das informações da Federação, ele e outros produtores consideraram que a formação de uma Cadec seria fundamental para melhorar o relacionando com a integradora, a JBS. Em outubro de 2017, a comissão foi instituída. De lá para cá, a relação entre as partes se tornou mais harmônica.
“A integradora atua em um raio de 100 quilômetros. Na comissão, temos representantes de cada região dentro dessa área. A gente contemplou todas as realidades”, diz. “Se tivermos alguma questão, sabemos que a cada 60 dias tem reunião. Muitas vezes, precisamos bater o pé. Em outras, temos que recuar e ver o lado da indústria. Mas é isso: transparência. E o relacionamento é muito bom por isso”, destaca o avicultor, que administra uma propriedade em São João do Caiuá, Noroeste do Paraná, com capacidade de alojar 3 milhões de aves por ano.
Desde então, os integrados conseguiram uma série de conquistas, como remuneração em razão de abates sanitários, melhoras constantes na qualidade da ração fornecida pela agroindústria e otimização da equipe de apanha, além da pacificação de pontos do contrato que antes da lei não eram cumpridos pela empresa.
Para os próximos meses, a prioridade da comissão é se debruçar sobre os custos de produção, a fim de obter o reajuste na remuneração dos avicultores. “Se não fosse a Cadec, não teríamos essas vitórias. Nossa integração tem cerca de 90 produtores. A grande maioria reconhece esses resultados”, diz Maia.
Em Dois Vizinhos, no Sudoeste do Paraná, avicultores integrados à BRF também obtiveram avanços a partir da consolidação da Cadec. Membro da comissão desde 2018, Elivelton Antônio Bosi aponta o diálogo constante como o principal ponto da relação, principalmente por se tratar de uma agroindústria de atuação nacional. “Em se tratando de uma empresa que está em todo o Brasil, muitas vezes ela não consegue atender produtor por produtor, de acordo com a demanda de cada região. Com a comissão, nós conseguimos ter esse diálogo, com reuniões a cada 60 dias, para tratar de rotinas e fazer ajustes”, exemplifica.
Em Carambeí – no exemplo que mencionamos no início desta reportagem –, as conquistas não se restringiram aos reajustes conseguidos em 2016, no início dos trabalhos da Cadec. No ano passado, os suinocultores conseguiram uma nova reposição de 11% na remuneração. “Para este ano, acertamos um novo reajuste de 5%. Faremos os reajustes semestrais, até por causa da pandemia. Se tiver muita oscilação de inflação, a indústria se dispôs a atender aos produtores. Se não tiver, a gente está disposto a ceder. Nesses anos todos, só vi resultados positivos”, aponta Emanoel Choaire.
Os bons exemplos não param por aí. No ano passado, avicultores integrados de Cianorte, no Noroeste do Paraná, conseguiram que a integradora Avenorte aprovasse uma série de demandas dos produtores, entre as quais, o aumento do preço pago por quilo de frango. A conquista veio após uma série de mobilizações, que incluiu uma carreata promovida por produtores rurais do município e uma paralisação no alojamento de aves.
Em 2018, quando oito plantas agroindustriais do Paraná foram descredenciadas a exportar, em razão de um embargo da União Europeia, as Cadecs entraram em cena e negociaram para que os avicultores integrados fossem remunerados no período em que os aviários ficaram parados. Naquele mesmo ano, quando o Brasil enfrentava a greve dos caminhoneiros, as comissões conseguiram que os grevistas liberassem o transporte de ração e insumos que abasteceram granjas e aviários, evitando a morte de animais.
Confira alguns aspectos da Lei da Integração:
Integração: Sistema produtivo em que a agroindústria fornece ao produtor todos os insumos. Com estrutura própria, o pecuarista integrado, por sua vez, recebe os insumos e produz os animais, de acordo com a demanda da agroindústria. Posteriormente, a empresa recolhe, abate e processa os animais.
Lei da Integração: Sancionada em 2016, a Lei 13.288/2016 define direitos e deveres de produtores integrados e da agroindústria, estabelece parâmetros mínimos a serem previstos em contrato e institui as Cadecs.
Cadecs: Formada de forma paritária por produtores e membros da agroindústria, as Comissões para Acompanhamento, Desenvolvimento e Conciliação da Integração (Cadecs) são um instrumento diálogo, que tem por objetivo dirimir conflitos entre as partes.
FAEP: da atuação pela criação da lei ao estímulo às Cadecs
A sanção da Lei da Integração, em maio de 2016, foi reflexo de anos de trabalho ininterrupto. Apresentada em 2011, pela então senadora Ana Amélia (PP/RS), a proposta contou com apoio maciço do setor produtivo. Neste contexto, a atuação de entidades como a FAEP e a CNA foram determinantes. O projeto foi aprovado no Senado, mas começou a tramitar de forma muito lenta na Câmara. Deputados apresentaram emendas que ameaçavam enfraquecer a proposta inicial. Foram necessários cinco anos de debates, com a participação de 85 entidades representativas, para que a lei fosse, enfim, aprovada e sancionada.
“A Lei da Integração foi uma grande conquista, que trouxe equilíbrio entre produtores e a agroindústria. Como não havia regulação, as duas partes não tinham segurança jurídica para produzir”, diz o presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR, Ágide Meneguette. Nós tivemos participação intensa na aprovação da lei, com muita interlocução com parlamentares, participando de audiências públicas e subsidiando os parlamentares com dados técnicos”, acrescenta.
O Sistema FAEP/SENAR-PR, a partir de então, passou a priorizar a disseminação das Cadecs pelo interior, levando informações aos produtores e às agroindústrias, e instituindo o grupo de trabalho para assessorar os integrados. A entidade foi além: na ponta, seus técnicos perceberam a necessidade de capacitar os produtores que participariam das comissões. Assim, desenvolveu-se um curso de três módulos independentes – noções jurídicas; técnicas de negociação; e condução de reuniões – voltados a treinar avicultores e suinocultores para as reuniões com as integradoras. Quase 200 produtores já foram capacitados.
“Na mesa de negociação, os integrados encontraram pessoas bastante capacitadas, do lado da agroindústria. Eram gerentes, supervisores e técnicos que tinham os dados em mãos. Nós diagnosticamos a necessidade de capacitar os produtores, para que eles pudessem ir para negociação em pé de igualdade com a agroindústria. Eles precisavam não só de argumentos técnicos, mas conhecer a legislação e saber como apresentar as reivindicações”, diz Ruan Felipe Schwertner, do Sistema FAEP/SENAR-PR.
A iniciativa tem feito a diferença. O avicultor Elivelton Antônio Bosi é um dos que concluiu o curso. Mesmo já tendo experiência anterior em negociação – ele é formado em administração de empresas –, o produtor rural destaca o conteúdo específico como um dos pontos fortes dos módulos.
“Contribuiu muito, porque dá a prática real do que acontece nas Cadecs. É um treinamento que ajuda o produtor a entender a dinâmica das comissões e, depois, a fazer a negociações andarem”, aponta.
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