“As pessoas precisam começar a estudar sobre o nanismo”, diz modelo e ativista
No mês de maio deste ano, o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) realizou uma apresentação para lançar os uniformes que seriam usados pela delegação brasileira para disputar os Jogos Paralímpicos de Tóquio . Entre as pessoas que desfilaram e representaram o país no evento estava Rebeca Costa, influenciadora digital e modelo com nanismo.
Ativista pela causa, Rebeca diz que desfilar pelo próprio país com o uniforme oficial foi um marco. Ao iG Delas , ela conta que não sentia esse frio da barriga desde que participou de um desfile inclusivo no São Paulo Fashion Week, em 2019. “Foi um marco porque era uma das primeiras vezes que vi um trabalho que abraçou todos os corpos, cada um com sua identidade. Foi um dos meus trabalhos mais emocionantes por representar o país inteiro”, afirma.
Nos últimos anos, marcas de moda têm se voltado para contemplar a diversidade de corpos e conquistar um mercado mais igualitário e acessível para todas as pessoas. Apesar da validade deste movimento, os corpos com nanismo são frequentemente deixados de fora. Estima-se que, no Brasil, 1 em cada 10 mil habitantes tenha algum tipo de nanismo e todas enfrentam barreiras para encontrar peças adequadas e pensadas para elas.
Desde 2015, a modelo toca o projeto Look Little, em que presta consultorias para negócios e para famílias de pessoas com nanismo, além de dar palestras sobre o assunto. Semanalmente, ela recebe cerca de 250 e-mails que buscam por consultoria de moda ou apoio em projetos, mas que tendem a não ser inclusivos o suficiente para essa demanda.
A busca é sempre focada em pessoas com acondroplasia, o tipo mais comum de nanismo. No entanto, a modelo reforça que existem mais de 400 tipos de corpos com nanismo que acabam sendo esquecidos e têm suas particularidades não enquadradas. “As pessoas precisam colocar a mão na massa, sair da zona de conforto”, explica.
A ativista afirma que é muito questionada sobre lançar uma marca própria de roupas, algo que está em seus planos, mas que requer muitos estudos. Para alcançar a inclusão, ela trabalha ao lado de profissionais diversos, tanto da medicina como dos setores burocráticos da moda, para poder pensar na identidade da marca e nas peças. “Estamos coletando estatísticas para que, juntas, formem uma fórmula mediana que atenda a, pelo menos, 60% dos corpos”, detalha.
“Eu não quero fazer algo exclusivo porque isso é muito fácil de fazer: é só eu chegar aqui e aceitar várias propostas de parcerias que recebo, só que eu serei incoerente com o meu próprio discurso. É muito fácil para mim, sei todas as minhas medidas e a de corpos como o meu, mas e o resto? O restante fica à deriva da moda”, acrescenta.
Cada pessoa com nanismo tem suas características
Quando a Look Little nasceu, em 2019, a intenção era postar para os seguidores looks do dia e peças com adaptações. Por meio disso, Rebeca queria desmistificar o nanismo e educar seus seguidores sobre a comunidade. Hoje, a página de seu Instagram, onde continua compartilhando sua rotina, soma mais de 64 mil vidas — palavra pela qual a ativista prefere chamar seus seguidores.
Para ela, esse movimento é importante para conseguir desmentir a lente pela qual a mídia, por muito tempo, apresentou para as pessoas sobre o nanismo. “A mídia fala sobre fetiche, sobre humor e sobre vitimismo. Não há nada de errado se uma pessoa opta pelo fetiche ou pelo nanismo, acontece que as pessoas me correlacionam a essas só porque eu tenho as mesmas condições físicas”, afirma.
A ótica do fetichismo faz com que mulheres com nanismo sejam sempre vistas como objetos sexuais. Rebeca lembra de uma vez em que estava em um ônibus com roupas sociais e, ao descer do veículo, uma passageira correu atrás dela para dizer que um homem estava filmando o movimento de seus glúteos.
Além da objetificação, Rebeca explica que elas estão mais propensas a relacionamentos abusivos e a desconfiança por parte da pessoa com quem se relacionam. “Nunca me coloquei em um lugar de fetiche, mas, de todos os meus relacionamentos, eu não coloco a mão no fogo porque não sei se houve ou não da pessoa. As mulheres com nanismo pisam muito em ovos quando o assunto é relacionamento. Fiz de mim uma rocha por isso”, afirma.
Por conta da estatura física, é comum ainda que as pessoas com nanismo sejam infantilizadas. Com isso, é comum que elas sejam subestimadas no ambiente de trabalho e, em casa, os pais sentem dificuldade de se desprender do filho — este último, um tipo de reclamação que é muito comum em adolescentes atendidos pela ativista.
Por falar em família, é esse núcleo um dos que mais procuram Rebeca. Geralmente são pais e mães que descobrem que seus filhos foram diagnosticados com nanismo. Primeiro, ela cria uma rede de acolhimento e de informação para mostrar que a fase do luto não é necessária.
No entanto, o amparo vem com um alerta. “Eu costumo dizer para as mães e pais que o filho deles não vai ser igual a mim. Ele tem o tempo dele e eu tive o meu. O laudo médico pode ser o mesmo e o CID [Código Internacional de Doenças] também, mas nenhum ser humano é igual o outro”, afirma.
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Acessibilidade e representatividade
Em uma passarela, a maioria esmagadora das pessoas desfilando são altas, como manda o manual. Mesmo com a efervescência da diversidade na moda, as pessoas com nanismo ainda não estão presentes nesse espaço — assim como também estão fora dos filmes e das novelas, por exemplo. “Se estão presentes na televisão, é sempre pelo viés humorístico”, ressalta Rebeca.
A falta de representatividade, para ela, está muito ligada às visões estereotipadas do nanismo, que acabam limitando os indivíduos. “Não tem a ver com inclusão, mas tem a ver com respeito. Incluso todos nós já estamos, estamos fazendo nosso papel, mas precisamos ter respeito e reconhecimento”, afirma.
O cenário também não é favorável quando o leque se expande e passa a olhar também para termos de acessibilidade e de políticas públicas. Rebeca afirma que esse é um campo praticamente inexplorado. “Dentro do ramo de políticas públicas e de acessibilidade, nós somos meros herdeiros de outros tipos de deficiência”, afirma.
Como exemplo, Rebeca exemplifica o caso com a Lei Municipal n°3278/2017, de Niterói, no Rio de Janeiro, que torna obrigatória o rebaixamento ou a colocação de escadas em frente a caixas eletrônicos de bancos. “Até hoje não foi resolvido, pagam multa atrás de multa porque preferem pagar do que fazer”, afirma.
“Isso é algo que freia muito a minha liberdade porque eu não posso chegar no banco e sacar meu dinheiro. Os caixas eletrônicos que dizem ser adaptados são muito para trás. O braço de um cadeirante alcança, o meu não. Então, as pessoas têm que nos reconhecer e nos respeitar. Eu não sou herdeira, eu não vim aqui de passagem”, acrescenta.
Seja na moda ou em relação a políticas públicas de acessibilidade, Rebeca afirma que reconhecimento, respeito e empatia são pilares fundamentais para compreender as demandas das pessoas com nanismo. “As pessoas precisam começar a estudar sobre o nanismo, a entender e a se permitirem desconfigurar tudo aquilo que lhes foi apresentado”, diz.