Doulas de adoção: conheça o trabalho voltado para ajudar quem adota
Doula é uma profissão que vem conquistando reconhecimento e destaque no Brasil, junto ao movimento de humanização do parto. “Aquela que serve” (significado de doula, origem grega) é a profissional que acompanha a mulher e a família durante a gestação, dando apoio físico, emocional e de informação sobre a fase que a mulher está vivendo e o que ainda tem por vir. E quem vai adotar? Apesar de não existir uma mudança corporal – como o crescimento da barriga -, da decisão de ter um filho via adoção até depois da chegada da criança também geram inúmeras questões emocionais e que requerem informação. Para estas famílias, as doulas de adoção são uma opção de apoio e conforto ao longo do processo.
A carreira é nova no Brasil, mas existe há alguns anos nos Estados Unidos, onde Marianna Muradas morou por sete anos e trabalhou neste meio. Apesar da experiência, ela resistiu em trabalhar com a doulagem de adoção quando retornou ao Brasil em 2016, tanto pelas diferenças de formato na função quanto na burocracia. Por mais que parecesse sozinha, além das mais de 30 mil famílias cadastradas para adoção , Marianna teve o apoio de Mayra Aiello, psicóloga e doula, que hoje é sua colega de jornada, mas começou como uma mulher procurando uma doula de adoção .
Mayra havia passado por dois abortos espontâneos e ela o marido decidiram seguir pela via de adoção. Quando a filha deles chegou, Marianna também estava vivendo o puerpério e as duas se aproximaram. Foi neste momento que Mayra disse sentir falta de uma doula de adoção para lembrar sobre coisas que são normais em uma situação de adaptação, como é o nascimento de uma família, seja via parto vaginal, cesárea ou adoção. “No começo a gente achava que estava louca mesmo por estar no puerpério, que aquilo não fazia sentido para outras pessoas. Só que cada pessoa que a gente convidava para um café e a gente apresentava o projeto, a pessoa ficava: ‘nossa, que sensacional!’ Então a gente pensava que as pessoas estavam loucas juntas com elas”, lembra Mayra.
A função de doula de adoção já nasceu junto com um curso de formação, especialmente porque as duas perceberam que não dariam conta da demanda. Nos últimos cinco anos, mais de dez mil famílias foram ampliadas através da adoção, de acordo com dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2020. As mais de cinco mil crianças aptas para adoção e mais de 30 mil em situação de acolhimento também enfrentam questões importantes de gênero, raça, deficiências físicas, LGBTQIAP+ e de entorno social que novos pais e doulas devem estar preparados.
O mito do gene ruim
“‘Nossa, que gesto lindo que você fez.’ ‘Que sorte ela tem de ter você.’ ‘Você não tem medo da criança que vai vir? Do gênio que ela vai ter?’ Esse viés da caridade, a gente fala que é o mito do gene ruim, presente na literatura e fala desse lugar de insegurança para família também, trazendo ainda mais medos a tona sem acolher”, explica Mayra, lembrando uma série de comentários e perguntas que recebeu depois de ter a filha nos braços.
Marianna, adotada com cinco dias de vida, é receosa em suas falas por matérias antigas. “Eu dei a entrevista para a pessoa porque eu não acho a minha história triste, eu acho que a história tem muitas coisas de alívio. O título da matéria que foi ao ar era contando que eu tive uma história triste e encontrei a felicidade na adoção. A minha mãe ficou muito chateada com essa matéria. Eu nem estava no Brasil e ela me ligou passando mal no trabalho, porque ela ficou muito triste lendo a matéria.”
O preconceito com a adoção está enraizado e presente em todos os meios, incluindo profissionais da humanização do parto e criação, segundo elas, reforçando a necessidade de pessoas habilitadas para acolher famílias. “A gente também foi imbuído nessa cultura, mas estamos desaprendendo para ensinar e para aprender de novo. Também estamos nessa construção. É constante essa desconstrução para construir nosso objetivo para sociedade”, fala Mayra.
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Três pilares
Diferente da gestação, que existe o ciclo gravídico e puerperal, as doulas explicam que na adoção existe o processo de adesão, elaboração, habilitação, avaliação psicoemocional e psicossocial, a espera, a adaptação com a criança e/ou adolescente até ela ir para a casa. Assim, o trabalho além de ser pautado nas ferramenta da humanização – validação emocional, psicoemocional, escuta ativa, cada fase uma singularidade -, elas também observam e ensinam as bases do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e as regras do Sistema Nacional de Adoção.
“Adoção é um ato político. Ela não é medida de política, de assistente social, de política pública. Ela é uma medida garantida pelo Estado para essas crianças garantirem uma família, mas ela é política”, fala Mayra ao lembrar que entregou a documentação para adoção da sua filha após sair do ato do oito de março (2016), no fórum João Mendes, no centro de São Paulo (SP).
Adoção sem romance
A romantização da adoção está presente para além da sociedade enxergar o(s) adotante(s) como um ser caridoso e de colocar a criança e/ou adolescente como alguém que deve ser eternamente grato. Adotantes também enfrentam desafios e outras questões de romantização sobre parentalidade que raramente conversam com a realidade de quem adota.
“A romantização atrapalha muito a gente de acolher as nossas dores, porque é isso: Se não ama, então não funcionou, não deu certo, devolve. Nossa maior batalha também é pra evitar as devoluções – evitar novos abandonos, como a gente prefere dizer”, apresenta Mayra. Tanto ela quanto Marianna também defendem o fim da frase “veio do coração”, pois vai confundir a cabeça da criança e perpetuar o mito da romantização. “Precisamos parar de comparar a gestação biológica e a parentalidade biológica com adotiva. A gente prefere falar que o puerpério também acontece com homens, conforme mostram estudos. A depressão pós-parto, acontece com homens, que não geraram biologicamente, assim como a depressão pós-adoção pode acontecer.”.
Também existe um excesso na tentativa de proteger a criança, alerta Marianna, que lembra ter sido chamado de a escolhida. “Para você ser escolhido, eu fui rejeitada. Então, toda vez que alguém fala isso é uma sensação quase de mercadoria também, como se fosse lá e pegasse em uma prateleira e não é isso. Eu não preciso pegar rótulos adotivos para mim como uma fraqueza, como uma característica que diminui, que é o que a sociedade quer fazer, a sociedade usa o termo adotivo ainda de um lugar mais pejorativo”, diz Marianna.
Sobre o curso
A primeira turma do curso aconteceu em fevereiro de 2020 e também a última presencial, pois em seguida veio a pandemia e as duas migraram tudo para o online. Com 40 horas de aulas ao vivo e mais 20 horas de aulas gravadas, quem quer seguir a carreira também passa por um estágio monitorado e deve apresentar um trabalho de conclusão de curso – “É mais uma forma de apresentar e deixar uma contribuição sobre o tema para o mundo”, explica Marianna.
A quarta e única turma de 2021 começa agora em julho, com uma aula inaugural aberta ao público no dia 19, às 20h30, transmitida no YouTube. As inscrições ainda estão abertas e podem ser feitas aqui . Entre os temas abordados no curso, estão:
- Motivação e expectativas para adoção
- Missionária institucional
- Acolhimento como medida reparadora
- Os aspectos psicossociais da adoção
- Formação da família
- O puerpério – transição para parentalidade
- Capacitismo
- Mitos e preconceitos na adoção
- Comunicação não violenta na adoção
Marianna e Mayra também abrem rodas de conversa para adotantes e adotados, onde as pessoas podem partilhar suas histórias e contribuir para que outras pessoas enxerguem a adoção como um amor sem romance nem preconceito.