A hora e a vez dos orgânicos
A agricultura orgânica tem recebido cada vez mais atenção. Segundo a Associação de Promoção dos Orgânicos (Organis), em 2020 o setor cresceu 30%, movimentando R$ 5,8 bilhões em todo o País. O poder púbico do estado de São Paulo aposta que o segmento tem grande potencial de crescimento. Em 2019, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA-SP) criou o grupo de trabalho SP Orgânicos, destinado a fomentar a pesquisa e produção de orgânicos no Estado. Na capital, a prefeitura conta com o Projeto Ligue os Pontos, que promove o desenvolvimento sustentável da zona rural paulistana e sua articulação com o mercado consumidor.
Na agricultura orgânica, manejo do solo, controle de pragas e adubação são feitos sem a utilização de compostos químicos sintéticos, em harmonia com a fauna e flora circundante. Lupércio Silva Braga, produtor associado ao Sindicato Rural de Bananal, está entre os que adotam esse método de trabalho. “Minha família vive da agricultura e pecuária há 70 anos, começando com meus avós. Atualmente, quatro pessoas trabalham aqui, produzindo frutos, legumes, raízes e outros. Todos os produtos são da época, conforme as estações do ano, porque não utilizamos agrotóxicos e adubos químicos, somente adubo e defensivo orgânicos”, conta o produtor, que participa continuamente de programas oferecidos pelo SENAR-SP.
Atualmente, o Sistema FAESP/SENAR-SP oferece cinco programas de treinamento para manejo sem agrotóxicos, destinados a olericultores, produtores de batata, morango e tomate. Há também um programa que capacita pequenos produtores a preparar a propriedade rural para obter o Cadastramento do Sistema Orgânico de Produção Vegetal junto às superintendências do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA). Este cadastramento habilita o produtor de orgânicos a comercializar seus produtos diretamente ao consumidor e a Programas Governamentais como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação escolar (PNAE) como produto orgânico e valor diferenciado.
O produtor agrícola Marcelo Sambiase trabalha desde 2004 como instrutor de agricultura orgânica no SENAR-SP, e conta que o interesse pela área se mantém em alta. “A demanda por cursos é muito grande. A cada ano, o Sistema FAESP/SENAR-SP em parceria com os Sindicatos Rurais realizam cerca de 150 turmas em treinamento para cultivo de orgânicos, com cerca de 2250 participantes no total. Em 17 anos, já passaram aproximadamente 32 mil pessoas por estes treinamentos”, diz.
Cursos e treinamentos
Os cursos do FAESP/SENAR-SP voltados para o cultivo orgânico foram criados entre 2004 e 2020, e auxiliam o produtor de orgânicos em diversos momentos da jornada. O curso de agricultura orgânica é introdutório e ajuda o agricultor a adequar sua propriedade às normas governamentais e conquistar a certificação dos produtos.
As variedades que contam com cursos de cultivo orgânico são a olericultura, tomate, batata e morango, mas o potencial do cultivo orgânico atinge todas as culturas de frutas, verduras e legumes, além de fabricação de mel, criação de animais e até madeira. Nos treinamentos, são apresentadas técnicas de cultivo, controle de pragas e aspectos mercadológicos.
O que é agricultura orgânica
No Brasil, a agricultura orgânica foi regulamentada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) em 2003, com a Lei 10.831. A legislação é o ponto de partida para a compreensão, por parte do agricultor, do que precisa ser feito na propriedade para garantir a certificação da produção orgânica. A lei busca garantir a rastreabilidade do produto – isto é, a possibilidade do consumidor de conhecer a cadeia produtiva que levou a mercadoria do campo até a mesa.
Qualquer que seja a cultura cultivada e suas especificidades, o que todas elas têm comum é a não utilização de compostos químicos sintéticos, sejam eles pesticidas ou adubos. Em vez de adotar essas técnicas, o agricultor utiliza soluções orgânicas ? compostos que ocorrem na natureza de origem vegetal, mineral ou animal. A legislação da agricultura orgânica também define uma série de regras para a propriedade rural como um todo. “Zelamos pela proteção da área e cumprir um conjunto de leis ambientais a respeito de fossas, esgoto, destinação do lixo, água e biodiversidade, e também da saúde das pessoas que estão trabalhando. Ou seja, a agricultura orgânica aborda aspectos sociais e ambientais, além da qualidade do alimento”, diz o produtor.
Segundo a empreendedora social Viviane Noda, a agricultura orgânica também pode ser definida pelo seu olhar especial para o solo, pois tudo parte da fertilidade e não-esgotamento da terra. “A agricultura orgânica é que trabalha o solo e pensa nele como um organismo vivo, e não como uma matéria que deixa a planta em pé.” A nutrição para uma terra fértil é fundamental para a qualidade dos frutos que dele nascerão. A agricultura orgânica também é caracterizada pelo respeito a cronogramas de plantio, em que cada variedade é plantada e colhida apenas em épocas específicas do ano.
Desafios e potenciais do segmento
A tendência de valorização dos orgânicos é global e tem crescido no Brasil. Entre 2003 e 2017, a venda de orgânicos quadruplicou no país. Segundo Marcelo, a mudança está ligada a uma mudança de mentalidade. “A potencialidade deste mercado é muito grande porque existe a tendência do consumidor procurar alimento seguro e buscar saúde por meio da alimentação”, diz.
No entanto, para que esse mercado atinja todo seu potencial, é preciso desenvolvimento e pesquisa. “A maior dificuldade da agricultura orgânica hoje, no Brasil, é a falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento”, afirma Viviane. É fundamental conhecer o bioma no qual propriedade está inserida, com características de clima, solo, índices de pluviosidade e insolação, por exemplo. “E também há a questão de ferramentas, maquinário e beneficiamento de alimentos, porque muitas vezes tudo isso é desenvolvido para a monocultura”, diz a empreendedora. A agricultura orgânica também tem a ganhar com tecnologias como os drones, que auxiliam no estudo de relevo, controle e manejo das plantações.
Para Marcelo, questões de remuneração do produtor, escala e desenvolvimento da caeia produtiva ainda travam o avanço da agricultura orgânica – especialmente para pequenos produtores. “A cadeia ainda é elitizada, o produto orgânico fica caro e isso restringe o consumo. O desafio é a popularização do alimento orgânico, que pode fazer com que o agricultor produza mais e consiga ter um retorno justo do seu trabalho”, avalia o especialista. Além disso, o custo de distribuição dos orgânicos é alto, e os grandes mercados consumidores estão distantes dos locais de produção.