Feminicídio: filhos presenciam o assassinato das mães em quase 20% dos casos
No ano passado, em quase 20% dos casos de feminicídio no Rio de Janeiro, filhos presenciaram os assassinatos de suas mães. Apesar de a pandemia da Covid-19 e o isolamento social terem contribuído para subnotificação dos crimes, o número de casos de violência contra mulher continuou, em 2020, em níveis alarmantes, segundo a nova edição do Dossiê Mulher, do Instituto de Segurança Pública (ISP), apresentada na manhã desta segunda-feira pelo governo estadual.
Foram registrados, em 2020, 78 feminicídios. Destas, Cinquenta e duas vítimas eram mães, e 34 tinham filhos menores de idade. Cerca de 20% desses feminicídios (15) foram presenciados pelos filhos; e os companheiros ou ex-companheiros representam a maioria dos autores dos crimes (78,2%). Além disso, quase 75% das mulheres foram mortas dentro de uma residência.
Os dados mostram, conforme explicou a presidente do ISP, Marcela Ortiz, que a violência têm base no machismo estrutural da sociedade.
— A mulher parece não ter o direito de se manifestar dentro de casa ou de terminar um relacionamento — afirmou a delegada, que destacou a importância de se romper com essa estrutura. — Digo que é como uma escada. A cada degrau que sobe, a violência vai aumentando. São dados sinais, e então é importante interromper o relacionamento abusivo antes de chegarmos ao último degrau da violência.
Em 2019, foram registrados 85 feminicídios no estado, ou seja, sete casos a mais que em 2020. Mas essa estatística precisa ser interpretada de acordo com o contexto, frisou Marcela Ortiz. Primeiro, explicou a delegada, a redução ou aumento de registros podem estar atrelados às confianças nos órgãos de notificação, e não necessariamente na diminuição ou aumento da violência.
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E, mais importante, pelo fator da pandemia. Com o isolamento social, mulheres ficaram mais tempo em casa, muitas vezes sob maior controle do agressor.
— O monitoramento mostra que, nos meses com menor circulação de pessoas nas ruas, os registros totais de ocorrência nas delegacias diminuíram. Por outro lado, as chamadas no Disque Denúncia e no 190 sobre violência contra mulher continuaram em número estável. Então isso sugere subnotificação, além do fato de esse tipo de crime já ser mais sujeito à subnotificação, por todas dificuldades que a mulher vítima enfrenta — disse Ortiz. — Dados mostram as mulheres que puderam denunciar, mas é preciso lembrar as outras que sofreram em silêncio.
Governador anuncia investimentos
Dentro do Pacto RJ, programa de investimentos do governo do Rio turbinado pelos recursos da venda da Cedae, está previsto o aporte de R$5 milhões para reformas nas 14 Delegacias de Atendimento à Mulher (Deam) do estado. Segundo o governador Cláudio Castro, a equipe do ISP chegou ao número de R$3,5 a R$4 milhões como o valor necessário para modernizar as delegacias que estão, segundo Castro, “altamente sucateadas”.
— Essa verba é inicial, mas liberamos um número maior para reformas e, se possível, ampliar o trabalho. As Deams precisam ser um local que acolha bem as vítimas. Queremos ver manchas que ainda não conseguimos atender bem — explicou o governador, que considerou a violência contra mulher como uma prioridade do estado. — Sou a favor da liberdade total da mulher, de ter opinião em casa, e de poder terminar um relacionamento ou ter uma briga sem que sua vida seja ceifada. Os números impressionam e talvez a sociedade ainda não esteja sabendo dessa gravidade.
Onze estupros por dia
De acordo com o dossiê, 4.086 mulheres foram vítima de estupro no Rio, ano passado, o que significa 11 mulheres por dia. Destas, 2.754 tinham até 13 anos. Ao todo, mais de 98 mil mulheres foram vítimas de violência doméstica e familiar no estado, ou seja, 270 mulheres sofreram algum tipo de violência por dia em 2020
Mais da metade das vítimas de feminicídio tinha entre 30 e 59 anos de idade (57,7%) e era negra (55,1%). O Dossiê aponta ainda a dinâmica do crime: mais de 40% das mulheres foram mortas por faca, facão ou canivete e 24,4% por arma de fogo; a motivação do crime foi uma briga para 27 dos homicidas e o término do relacionamento foi apontado por 20. Uma média de sete a cada dez autores foi preso ou se entregou para a autoridade policial. Durante o processo, constatou-se que mais da metade das vítimas já tinha sofrido algum tipo de violência e não registrado.