Agro Fraterno: uma corrente de solidariedade contra a fome no campo
Em 2017, conforme o Censo Agropecuário, o Brasil tinha cerca de 11,8 milhões de pessoas, ou quase 3,75 milhões de famílias, vivendo em situação de extrema pobreza na zona rural. Porém, suspeita-se que os números levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tenham aumentado sensivelmente desde então. A pandemia de Covid-19 só veio agravar um quadro difícil para as pequenas propriedades, já que muitos programas que absorviam a produção acabaram suspensos.
Com o prolongamento das restrições sanitárias, a Confederação Nacional da Agricultura Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e as entidades do Instituto Pensar Agro (IPA) decidiram criar uma iniciativa que amenizasse as dificuldades de quem vive no campo. Nascia o programa Agro Fraterno.
Lançado em maio, o programa arrecadou, até meados de novembro, mais de 533 mil quilos de alimentos para quase 100,5 mil cestas de alimentos distribuídos em todo o país. A campanha ainda arrecadou quase R$ 500 mil em doações.
No Rio Grande do Sul, a entrega das doações está na reta final. Quase todas as 8 mil cestas que seriam doadas a famílias pobres da zona rural de 150 municípios já chegaram ao seu destino. Os beneficiários foram escolhidos dentro do universo de cadastrados no CadÚnico, do Governo Federal, identificados como famílias em situação de vulnerabilidade social, causadas pela pandemia. Ao todo, 36.767 mil famílias gaúchas se enquadram nos perfis de extrema pobreza e pobreza.
Famílias como a de Alzira Rodrigues da Silva, moradora do Quilombo Cantão das Lombas, em Viamão.
“Chegou em boa hora, porque eu e meu marido temos gastado muito com questões de saúde. Ele ajuda os pais dele, que são idosos, doentes e acabamos ficando apertados para comprar comida”, revelou.
No Quilombo, moram 30 famílias. Os habitantes vão de bebês recém-nascidos à veteranos como Argina da Graça, 104 anos. A terra ancestral que abriga os moradores ainda não foi permanentemente designada e falta espaço para plantio. A infraestrutura, de forma geral, é precária – especialmente a viária. O trajeto da sede do município até o quilombo exige quase uma hora apenas rodando na estrada de chão batido, esburacada e enlameada, intransitáveis em épocas de chuva.
Segundo a presidente da comunidade, Ivanir Gomes, 52 anos, isso afeta a economia do quilombo. Os adultos que não conseguem empregos em propriedades vizinhas, precisam trabalhar na cidade. Esses últimos, voltam para casa apenas nos finais de semana.
“Para quem trabalha na cidade é muito difícil, porque tudo é muito longe e está tudo muito caro. Nem sempre é possível comprar uma cesta básica, e para famílias com quatro, cinco pessoas é pouco alimento. Então, tudo o que vem em doação é bem vindo”, comentou.
Supervisor do Senar-RS, Ricardo Lopes de Almeida conta que a destinação de cestas básicas foi maior que a previsão original.
“No primeiro momento, haviam destinado 460 cestas básicas do Programa Agro Fraterno para Viamão, mas com um breve levantamento, vimos que a demanda era muito maior. Então conseguimos programar 560 unidades”, conta.
Para diagnóstico e distribuição dos donativos em todo o Estado, o Senar-RS contou com o apoio fundamental dos sindicatos rurais, que articularam com prefeituras e secretarias de assistência social a lista dos beneficiários e as entregas.
Segundo o presidente do Sindicato Rural de Viamão e Alvorada, Roberto Goulart Canquerini, a proposta para colaborar com o Agro Fraterno era irrecusável.
“Temos uma quantidade expressiva de pessoas morando na zona rural que necessitam de ajuda, por vários fatores. Então, quando nos ofereceram 560 cestas, com certeza aceitamos participar”, lembra.
No Estado
Para Santa Maria, foram destinados 60 kits de alimentos, que em sua maioria foram entregues nos distritos. Conforme o secretário executivo do Sindicato Rural do município,
Sérgio Pereira da Silva, todos os beneficiados foram previamente informados da ação, o que permitiu atos de grandeza das próprias famílias.
“A prefeitura nos deu uma relação indicando nome, CPF e endereço das famílias do CadÚnico, e nós avisamos da situação. E houve quem agradeceu [e recusou], dizendo que sua situação de vida já estava melhor, e pedindo que fizéssemos a doação a outra família que precisasse mais”, lembra.
Em Alegrete, mais da metade dos alimentos foram entregues às famílias do assentamento Passo Novo, que concentra a maior parte dos produtores relacionados na lista das famílias de baixa renda constantes no CadÚnico no município: um total de 27 das 40 cestas básicas.
Em Uruguaiana, o método de entrega foi diferente. De 7 a 28 de outubro, todas as quintas-feiras do Sindicato Rural foram dedicadas às entregas de cestas para moradores carentes de localidades do interior.
“Nós entramos em contato com as famílias e combinamos datas diferentes para a retirada para que não houvesse aglomerações, e eles vieram buscar. O pessoal ficou muito grato”, conta a mobilizadora do Senar-RS e secretária do Sindicato Rural de Uruguaiana, Edilene Maria Doretto.
A secretária adianta que, contagiados pelo espírito do Agro Fraterno, o sindicato pretende, em breve, comprar cestas básicas para doar também para famílias pobres da zona urbana.
Avaliação positiva
A coordenadora da Promoção Social do Senar-RS, Sandra Catarina Vieira, diz estar satisfeita com a realização do Agro Fraterno no Estado.
“Nossa avaliação é extremamente positiva. Foi uma das atividades da Promoção Social em que conseguimos abranger todos os nossos parceiros de sindicatos rurais e dos trabalhadores rurais. As ações envolveram também lideranças locais dos municípios, principalmente as de assistência social”, afirma.
Sandra comenta que o apoio foi fundamental para enfrentar algumas dificuldades de entrega em certos municípios do interior. Houve casos que foram disponibilizados transportes da rede escolar municipal para a efetivação de entrega das cestas básicas.
“A proposta trazida pelo Agro Fraterno foi atendida com o envolvimento de nossos parceiros, sindicatos e lideranças de outras entidades, a união de esforços fez a diferença para o atendimento das famílias do meio rural em situação de vulnerabilidade social, afetadas pela pandemia do coronavírus”, completa Sandra.
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