Violência obstétrica é crime; veja quando a gestante se torna vítima
Questões ligadas à violência obstétrica vieram à tona após a influenciadora digital Shantal Verdelho e outras mulheres acusarem o médico Renato Kalil de agressões durante o parto. O tema, por ser pouco discutido na sociedade — e que sequer é reconhecido como crime —, traz consigo uma série de dúvidas. Como identificar casos de assédio? Quais são os tipos de violência obstétrica? O que as vítimas podem fazer? Esclareça ao lado as principais questões sobre o tema.
A violência obstétrica inclui abusos que podem estar relacionados a ataques verbais, agressões físicas, negação do direito à acompanhante, privacidade, confidencialidade, preconceito e cuidado de qualidade. O puxo dirigido — prática de pedir para a mulher fazer força quando o bebê está prestes a nascer —, também é considerado um tipo de agressão.
Além disso, há outras iniciativas que acabaram sendo naturalizadas ao longo dos anos, e que ainda hoje acabam passando despercebidas pelas grávidas, como realizar cesárea sem indicação médica, episiotomia — corte realizado para ampliar o canal de parto —, e a manobra de Kristeller, quando a barriga da mulher é empurrada para facilitar o nascimento do bebê — muitas vezes, com o médico em cima da mulher.
Prática machista que se também se tornou bastante comum, o chamado “ponto do marido”também é uma violência obstétrica, de mutilação genital, que muitas das vezes é feita sem que a própria mulher tenha conhecimento, após a episiotomia.
Diarista relata abandono na sala do parto
A diarista Simone Lopes, de 41 anos, sofreu violência obstétrica em 2018, durante o parto de sua terceira filha, em um hospital público de São Paulo. Impedida de ter acompanhante na sala de pré-parto, ela relata que os médicos a deixaram sozinha por mais de duas horas enquanto sentia fortes dores. Prestes a desmaiar, ela deu um grito e foi ouvida pela mãe, que entrou correndo na sala. Segundo Simone, os médicos relataram posteriormente que caso o parto tivesse demorado mais 30 minutos, a bebê poderia ter nascido sem vida.
“Já cheguei em trabalho de parto, mas eles me esqueceram na sala. Quando gritei desesperada os médicos vieram correndo, fizeram um exame e viram que já tinha passado da hora. Então, começou uma cesária de emergência”, afirma.
Simone conta que os médicos já haviam afirmado que ela faria a cirurgia antes do parto, mesmo a criança estando encaixada para vir ao mundo de forma natural, porque ela não tinha “passagem”. “Eu queria muito parto normal, porque é mais seguro e porque eu precisava me recuperar logo para voltar a trabalhar. Mas me foi negado”.
Uma pesquisa divulgada na revista Lancet em 2018 aponta que o Brasil ocupa o segundo lugar no mundo em número de cesáreas, com uma taxa acima de 55% do total de partos. Mundialmente, a OMS e a Unicef estimam que apenas 15% das cesáreas são necessárias por motivos médicos.
SAIBA IDENTIFICAR E DENUNCIAR
Alguns tipos de violência obstétrica são:
Negar o tratamento durante o parto Qualquer tipo de prática invasiva Intervenção médica forçada Humilhações verbais Tratamento rude Ignorar necessidades e dores sentidas pela mulher Machismo Preconceito por raça, cor, classe social, HIV, gênero ou qualquer outro Qualquer tipo de negligência médica
Quem pratica a violência obstétrica?
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A violência obstétrica não diz respeito apenas a médicos, enfermeiros e demais profissionais de saúde. Pode ser atribuída, também, à toda a estrutura de hospitais e clínicas
Como denunciar?
A denúncia pode ser feita no hospital ou serviço de saúde em que a paciente foi atendida. Também na secretaria de saúde responsável pelo estabelecimento (municipal, estadual ou distrital) e nos conselhos de classe — Conselho Regional de Medicina (CRM) para médicos ou Conselho Regional de Enfermagem (COREN) para enfermeiros ou técnicos de enfermagem, por exemplo
Para atendimento telefônico, ligue para o 180 (Central de Atendimento à Mulher) ou no 136 (Disque Saúde)
É indicado fazer episiotomia em algum caso?
A episiotomia é um procedimento cirúrgico feito para aumentar a abertura vaginal através de um corte no períneo, no momento do desprendimento fetal. Apesar de ter se tornado comum, foi introduzido sem qualquer evidência científica suficiente sobre sua efetividade. Por conta disso, no mundo inteiro tem se tornado um procedimento restrito, e não mais rotineiro
De maneira geral, os especialistas afirmam que a primeira opção deve ser sempre não fazer a episiotomia. No entanto, o chamado uso seletivo, em casos específicos, ainda é algo aceito, contanto que haja consentimento por parte da mulher grávida
Quais as consequências da episiotomia?
A incisão feita na episiotomia atinge um grau que corresponde a uma laceração de grau 2 na vagina. As reações envolvem infecção e dor no corte no pós-parto, incontinência urinária e fecal, dores na hora do sexo, entre outras.
As diretrizes para a mulher ser bem atendida
A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) tem diretrizes que servem para qualificar a assistência ao parto e assegurar o respeito à autonomia da grávida. Entre elas, estão:
1 – Individualidade: é considerada boa prática chamar a paciente pelo nome, sem usar apelidos 2 – Internação: o órgão recomenda internar a gestante para assistência quando ela estiver na fase ativa de trabalho de parto
3 – Acompanhantes: é orientado estimular e facilitar a presença de acompanhantes durante o trabalho de parto, de acordo com a livre escolha da paciente