Search
Close this search box.

Mulheres integram 1ª orquestra parassinfônica do Brasil; conheça

Compartilhe

Orquestra Parassinfônica de São Paulo quer visibilizar músicos e musicistas com deficiência; da esquerda para a direita: Camila Moraes, Gabriele Nunes Caretti Batista, Miriã Vitória dos Santos, Flávia Martins, Franciany de Lima e Lara Pelli
OPESP/Divulgação

Orquestra Parassinfônica de São Paulo quer visibilizar músicos e musicistas com deficiência; da esquerda para a direita: Camila Moraes, Gabriele Nunes Caretti Batista, Miriã Vitória dos Santos, Flávia Martins, Franciany de Lima e Lara Pelli

Pela primeira vez é criada no Brasil uma orquestra com o intuito de incluir, especificamente, pessoas com deficiência. Com 32 integrantes com e sem deficiência, a Orquestra Parassinfônica de São Paulo (OPESP) reúne pessoas de todo o país com o intuito de visibilizar artistas e proporcionar inclusão. Agora, a OPESP se prepara para o primeiro grande concerto, que será realizado em dezembro na Sala São Paulo.

Entre no canal do  iG Delas no Telegram e fique por dentro de todas as notícias sobre beleza, moda, comportamento, sexo e muito mais!

As pessoas selecionadas para integrar a orquestra estão realizando aulas para aperfeiçoar as técnicas em um ambiente seguro e com profissionais que permitam que cada uma se desenvolva de acordo com seu tempo e condição. O projeto foi idealizado pelo produtor cultural Igor Cayer e também produzido por Fabiana Cayres, esposa de Igor que também trabalha como agitadora cultural.

A Sala São Paulo vai receber a OPESP para uma grande apresentação no dia 3 de dezembro, que marca o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. “Escolhemos essa data pela simbologia. Nossa ideia é tocar a vida dos músicos e de quem assiste, e poder fazer isso na Sala São Paulo é muito especial. Estamos só começando”, celebra Fabiana.

As audições presenciais também aconteceram na sala de concerto, um fato que, por si só, já empolga a violoncelista Miriã Vitória dos Santos, 22. “Tocar na Sala São Paulo foi surreal. Ela está entre as 10 melhores salas de concerto do mundo. Nunca imaginei que eu faria isso”, conta. Miriã tem paralisia cerebral e estuda música desde a infância. É a primeira vez que integra uma orquestra profissional.

Para ela, a proposta da orquestra parassinfônica era tão interessante que, quando soube do edital, pensou que se tratasse de uma fake news: “Uma professora me mostrou o edital e eu não acreditei. Minha mãe me motivou a fazer. Na audição estava uma pilha de nervos, mas no fim deu tudo certo”, diz Miriã.

67om7cnl94m4me8e69squz4lj
OPESP/Divulgação

“Espero que nossa orquestra possa despertar outras pessoas com deficiência”, diz a violoncelista Miriã Vitória dos Santos, 22, integrante da OPESP

Por mais que a maioria dos integrantes residam na capital paulista, a OPESP também atraiu musicistas de outras regiões do Brasil. A estudante de licenciatura em música Camila Moraes, 22, é de Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul, integra o naipe de trompas.

Camila também está na Orquestra Sinfônica de Santa Maria e na Orquestra Sinfônica de Porto Alegre e faz o deslocamento de cinco horas entre uma cidade e outra, ao menos três vezes por semana. Devido à distância e por ter perdido a primeira seletiva, deixou a ideia de integrar a OPESP de lado. Na segunda chamada, um professor a incentivou a enviar um vídeo. “Mandei sem esperanças e fui aprovada”, conta.

Atualmente ela se organiza para se mudar para São Paulo, graças ao apoio que recebeu por meio de uma vaquinha online. No primeiro momento, a ideia de fazer a audição sozinha em uma cidade tão grande quanto São Paulo a deixou tensa. “Nunca tinha saído do estado. Ao mesmo tempo, pensava: ‘Olha onde eu tô chegando sozinha’. As oportunidades estão aparecendo, e isso me deixa muito feliz. Vejo que as pessoas estão gostando do meu trabalho, divulgando… Mostra que estou no caminho certo”, conta Camila, animada.

Siga também o perfil geral do Portal iG no Telegram !

Idealização

Fabiana Cayres
Acervo pessoal

A produtora executiva da OPESP, Fabiana Cayres, explica que a sogra foi inspiração para fundar a orquestra parassinfônica

Fabiana explica que a motivação do projeto é muito pessoal. Após sofrer um AVC, a mãe de Igor precisou usar uma cadeira de rodas para se locomover e, ao longo do tempo, tentou passar para as pessoas ao redor que, por mais que a mobilidade tivesse sido reduzida, o mesmo não se aplicava para sua capacidade.

“Ela dizia: ‘Isso aqui não sou eu, ainda sou capaz de viver e seguir minha vida’. Daí nasceu a necessidade de olhar para essas pessoas com o olhar de que elas são capazes e conseguem fazer tudo o que as pessoas sem deficiência conseguem. Sentíamos falta da inclusão”, afirma Fabiana.

Ela conta que a mãe de Igor não viveu para poder ver a OPESP começar a ser formada, mas se foi sabendo do projeto do filho e da nora. “Ela também foi produtora cultural, então ficou muito feliz”.

A produtora cultural diz ainda que ficou muito surpresa com a repercussão e interesse no edital. Das 47 pessoas inscritas, 32 foram selecionadas para tocar. Para manter os princípios de inclusão, as pessoas inscritas foram convidadas a assistirem às aulas mesmo assim. “Essas pessoas podem se aprimorar e, quando abrirmos vaga para outro naipe, podemos incluí-las”.

Capacitismo

Fabiana explica que as pessoas com deficiência são vistas com um olhar de descrença muito grande na sociedade. Entende-se, de forma equivocada, que elas não podem exercer um papel de excelência na música por conta de suas condições: “Esse olhar nunca existiu para eles. Infelizmente, quem tinha que dar o incentivo acaba se tornando fonte de desmotivação”, diz.

Camila, por exemplo, nunca pensou que poderia ingressar no conservatório em Porto Alegre simplesmente por tocar sem um antebraço. Por mais que ela faça parte de três orquestras e esteja recebendo reconhecimento, a trompista foi impedida em diversos momentos de mostrar seu talento.

“A gente não consegue ter voz porque não deixam a gente fazer nosso trabalho. Muitos colegas estão fazendo uma coisa que eu sei fazer da mesma forma, mas estou atrás das cortinas, olhando. Isso me deixa muito chateada” narra Camila.

Ela conta ainda que todas as suas conquistas como musicista são reduzidas à sorte, e não ao comprometimento e as habilidades dela. Essa postura gerou em Camila diversos momentos de ansiedade.

“Começo a duvidar de mim mesma. Onde moro e estudo não via PcDs trabalhando com música, então me sentia excluída. Saio daqui, vou para outro lugar, faço minhas aulas e é tudo tão bonito. Só que quando volto para a minha realidade, sou oprimida. Estou cansada de precisar provar o que eu sei fazer”, desabafa Camila.

Já Miriã foi “convencida” por um professor que não poderia fazer aulas de música. A forte relação com a música desde cedo a fez querer estudar aos seis anos. Aos 10, precisou interromper os estudos por conta de uma cirurgia, mas não quis voltar por ter escutado de um professor que seu lugar não era ali.

“Quando vi outras pessoas com deficiência, me senti acolhida
OPESP/Divulgação

“Quando vi outras pessoas com deficiência, me senti acolhida”, celebra Camila Moraes, 22, que toca trompa na OPESP, na Orquestra Sinfônica de Santa Maria e na Orquestra Sinfônica de Porto Alegre

A violoncelista retomou os estudos musicais aos 19 no Projeto Locomotiva, criado pelo maestro Rogério Schuindt. “Minha tia estudava lá em 2018 e, secretamente, minha família fez minha inscrição para eu voltar a estudar”, conta.

Mesmo sabendo que tinha a capacidade e o comprometimento para se aprimorar no instrumento, Miriã foi extremamente desmotivada pela fala desse professor. “Foi um interrompimento, porque eu poderia ter continuado os estudos e já estar formada. Também poderia nunca ter reencontrado a música de novo. Imagina só”, pensa.

Além da conduta capacitista deste tutor, ela avalia que a falta de representação nas artes durante seu crescimento dificultou seu processo de reconhecimento. Ela narra como exemplo o cripface, que é o ato capacitista de escalar atores sem deficiência para interpretar pessoas com deficiência em filmes e séries – uma lógica tão degradante quanto o transfake para pessoas trans e o blackface para pessoas negras.

“Quando se tem deficiência na infância, isso não é percebido. Mas, na adolescência, notei que não me via em nenhum filme ou livro enquanto todas as pessoas ao meu redor se viam. Minha autoestima foi lá embaixo”, lembra Miriã. “Só agora estamos falando sobre capacitismo, mas em passos bem pequenos”, acrescenta.

Na perspectiva de Camila, não há um horizonte de mudanças no momento, principalmente pelo fato de as figuras que adotam a postura capacitista estarem em uma posição favorável em que não precisam se preocupar com isso.

“O ataque sempre vem de um professor ou de alguém que ‘faz as regras’, que não vai repensar ou pedir desculpas. É algo normal para eles. São pessoas que estão em uma posição de privilégio muito grande por não terem deficiência e não serem pessoas negras. Então, ficam naquele mundinho delas e não querem sair da bolha”, aponta.

Acolhimento

Além da idealização e produção do casal, a OPESP é regida pelo maestro Roberto Tibiriçá e tem coordenação pedagógica de Aída Machado, que é mestre em música. Toda essa estrutura, Fabiana explica, é primordial para garantir o pleno conforto e desenvolvimento dos músicos e musicistas – algo que faz toda diferença no dia a dia.

Camila afirma que tem uma relação muito acessível com o professor que a acompanha na OPESP; aliás, os dois aprendem muito juntos. “Ele não teve essa experiência antes, então estamos trocando conhecimentos”, diz. A preocupação com o acolhimento dos integrantes da orquestra é algo que deixa a trompista “de coração quentinho”. “Não é que em outras orquestras seja ruim, mas é uma situação bem diferente”, compara.

Miriã tem o mesmo tipo de relação de acolhimento e troca com a professora. Foi durante uma das aulas que a violoncelista saiu da cadeira de rodas para tocar sentada em uma cadeira convencional, algo que ela fez pela primeira vez na vida.

“Por conta da paralisia e do meu encurtamento, não consigo encostar o pé no chão, e as cadeiras de rodas também têm tamanhos diferentes. Ela me sugeriu usar uma cadeira convencional para ter mais firmeza no instrumento”, relata. “Foi esquisito inicialmente porque não consigo regular a altura e o encosto, como no caso da cadeira de rodas. O apoio do pé no chão sólido é muito diferente, mas para mim foi muito bom”, avalia a experiência.

Outro ponto importante para Camila e Miriã foi a integração com outras pessoas com deficiência, que permitiu uma experiência muito mais acolhedora e uma aproximação mais rápida com os colegas. A trompista conta, sorrindo, que fez novas amizades em cinco minutos.

“É muito bom poder exercer minha função sem precisar ouvir o capacitismo dos próprios professores, que é uma pessoa que deveria ser sua tutora e ensinar. A gente se identifica mais com os colegas. Todo mundo tem uma experiência diferente, mas todos sofreram capacitismo de alguma forma”, relata Miriã.

“Quando vi outras pessoas com deficiência, seja com a mesma que a minha ou não, me senti acolhida. Agora, estou em um lugar em que não preciso provar nada para ninguém. Estamos ali para fazer música. Nem nos meus melhores sonhos imaginava que estaria em um lugar que me deixa tão tranquila”, descreve Camila.

Expectativas

Camila, Miriã e Fabiana esperam que a existência da OPESP possa ajudar a visibilizar musicistas e músicos com deficiência, além de se tornar uma representação para as futuras gerações e uma chave para mudar a estrutura capacitista de instituições, conservatórios e orquestras.

“Espero que nossa orquestra possa despertar outras pessoas com deficiência, principalmente para as crianças que, sim, elas podem ser músicos ou musicistas. Muitas crianças de 6 anos estão estudando música agora mesmo e não estão se vendo. Essa representação é muito importante”, afirma Miriã.

Para Camila, as expectativas são “as melhores possíveis”. “Quero que mais portas se abram para mim e para todos nós, quero que sejamos reconhecidos”, espera a trompista. Ela também espera que a orquestra reforce que é vital que as pessoas com deficiência sejam incluídas e vistas em sua plenitude.

“A gente não quer ficar numa caixinha num canto da sociedade. Não somos pessoas sem compreensão ou que não podem desempenhar tarefas. Nós podemos e vamos fazer isso pelo caminho PcD para chegar no mesmo objetivo. Quero que as pessoas se abram para ver o quanto de coisas a gente pode fazer. Para muitas pessoas isso nunca vai entrar na mente, mas, para aquelas que estão dispostas, a gente está aqui para ser ouvido e visto”, conclui Camila.

Fonte: IG Mulher

Compartilhe!

PUBLICIDADE