A burocracia como entrave à expansão da irrigação no RS
A busca por fontes de água para a produção rural é um problema antigo, especialmente em períodos de estiagem. Em novembro, o governo do Estado já acumulava uma demanda pela construção de 7.670 novos açudes e 750 poços para pequenas e médias propriedades – sem contar o desafio de ampliar a área de cultivo irrigado, atualmente em 233 mil hectares nas lavouras de sequeiro.
Conforme a Emater-RS, no Rio Grande do Sul apenas 2% destas lavouras contam com irrigação: 80 mil hectares com o uso de pivô central, 30 mil hectares por outros tipos de aspersão e 5 mil hectares por gotejamento. O aparente desinteresse dos empresários rurais pela modalidade contrasta com os prejuízos trazidos pelas secas recorrentes. Mas a realidade é que um emaranhado burocrático, resultante de muita confusão na interpretação dos regramentos existentes, desestimula o investimento e prejudica a economia do Estado.
Conforme o superintendente do Senar-RS, Eduardo Condorelli, a expansão da atividade agrícola gaúcha de sequeiro é relativamente recente, e coincide com o mesmo período em que começaram as discussões políticas e legislativas de cunho ambiental. Segundo ele, a criação de grande partes destas leis foi contaminada por uma mentalidade preconceituosa, que relacionava a agricultura com danos ao meio ambiente.
“Se observa, recorrentemente, que o debate em torno da construção destas normas contém um certo grau de histeria ambiental, a qual, muitas vezes, não tem nenhuma base científica. Foram criadas legislações extremamente restritivas à atividade econômica do Rio Grande do Sul que, ao longo do tempo, tornaram-se uma grande miscelânea de normas e regramentos que não guardam relação direta com a proteção ao meio ambiente, servindo apenas para burocratizar e impedir o crescimento de nossa sociedade”, avalia Condorelli.
Instalar um sistema de irrigação exige que os agricultores obtenham outorga do direito de uso da água e licenciamento ambiental. Porém, o grande emaranhado criado, associado a falta de estrutura pública, tornam o processo uma via-crucis burocrática. O produtor se depara com a necessidade de mostrar que a obra não é conflitante com as necessidades ambientais, que é possível fazer irrigação fazendo enriquecimento do meio ambiente e, ao mesmo tempo, transpor a barreira jurídica. Além disso, o processo de solicitações e apresentações de documentos ainda não pode ser feito online, porque o serviço não é oferecido pelo governo do Estado nos mesmos padrões em que ocorre para algumas outras atividades. Com isso, a demora na obtenção das autorizações pode chegar a cinco anos.
“[O processo] Não é nada amigável para o produtor, não atrai o empresário rural para o atendimento das formalidades”, diz o superintendente.
Na Justiça
Condorelli destaca ainda que as diferentes interpretações de uma mesma lei podem provocar disparates que são verdadeiros entraves ao plano de expansão da irrigação. Um exemplo é o entendimento sobre alguns dispositivos da Lei Federal 12.651/2012, conhecida como “Novo Código Florestal”, que exigiram do STF posição em relação a mais de 30 itens de seu texto.
Como regra geral a norma determina que 20% de cada propriedade rural localizada no bioma Pampa seja preservada na forma de reserva legal. Porém, a mesma regra diz que caso os proprietários comprovem que o imóvel, atualmente em desacordo com a regra geral, respeitou as normas que vigoraram em outras épocas, estes ficariam desobrigadas de cumprir a exigência. Desde 2016, o Ministério Público Estadual questiona essa exceção na Justiça, o que praticamente invalidou os efeitos da lei, mesmo que em caráter liminar, no território gaúcho.
“Há uma discussão interminável com o MP/RS, que insiste na tese de que as áreas de pecuária tradicional do bioma pampa são nativas, sendo que muitas têm 300 anos de atividade humana. A certeza da “perda” de 20% de ser patrimônio faz com que o produtor desista de pedir autorização, bem como de toda a implantação de um projeto de irrigação”, explica. “Nossa sociedade precisa se mover, ajustando os detalhes que faltam na legislação, alinhando nossa compreensão sobre alguns conceitos e na forma de interpretar a legislação, e colocar tudo isso em plataformas amigáveis, de resposta ágil. Me parece que vivemos muito mais uma questão de falta de boa vontade em resolver os problemas que afligem, ao cabo, toda a sociedade gaúcha, do que propriamente uma batalha em defesa das necessidades da fauna e da flora”.
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