Famílias da cidade voltam ao campo para melhorar renda e qualidade de vida
Por mais de 20 anos, Rosana Aparecida Gabardo Pallu, de 40 anos, se destacou como confeiteira, em Mandirituba, Região Metropolitana de Curitiba (RMC). Apesar de ter feito fama preparando bolos para festas de casamento e de aniversário, ela vivia à beira do estresse. Cansada da vida na cidade, Rosana optou por uma mudança radical: há dois anos, trocou a cozinha pelas estufas de morango. O negócio deu tão certo que ela já dobrou o cultivo, de 10 mil para 20 mil pés. O marido José Marcos, que era metalúrgico, pediu demissão da empresa e passou a trabalhar com exclusividade na produção de morangos. Agora, o casal tem mais qualidade de vida e, de quebra, conquistou uma renda maior.
“Apesar de ser uma cidade pequena, eu vivia estressada com a rotina. Eu sempre quis morar no campo e sempre fazia cursos do SENAR-PR e da Emater [hoje, IDR]. Um dia, fiz um de hortifruticultura e me encantei com os morangos. A gente comprou a terra aos poucos, demorou para a gente conseguir ter o próprio negócio, mas estamos muito felizes. Minha renda melhorou. A qualidade de vida conta muito também. Aqui é água de poço, a casa não tem vizinho e é rodeada de mato. É natureza e ar puro”, diz a fruticultora.
Histórias como a de Rosana são cada vez mais comuns e comprovam que o setor agropecuário se consolidou como alternativa economicamente atrativa para quem quer qualidade de vida e ter seu próprio negócio, desde que a estruturação seja bem planejada. Como o Censo 2020 foi adiado pelo governo federal, não há dados que apontem se essa migração da cidade ao campo chega a se firmar como um fluxo migratório. Ainda assim, o fato é que o setor agropecuário e o desenvolvimento das cidades do interior têm garantido condições para que as pessoas não precisem se mudar aos grandes centros: as alternativas estão ali, no setor rural.
De um lado, as evoluções tecnológicas e o avanço em obras de infraestrutura mudaram a cara do campo. As estradas, a oferta de energia elétrica e o acesso à internet contribuem para conectar o meio rural às cidades. Além disso, a profissionalização e a tecnificação otimizaram os processos produtivos. Some-se a isso a pujança do setor agropecuário, que vem garantindo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e saldo positivo na balança comercial do país. Ou seja, são motivos de sobra que credenciam o campo como alternativa de vida.
“O setor evoluiu muito e, hoje, conceitos como agricultura de precisão e agricultura digital são realidades. Além de contribuir com a economia do país, o homem do campo tem qualidade de vida e excelentes perspectivas de renda. O jovem não precisa mais fazer a vida na cidade grande. Pode ser muito bem-sucedido no campo e o Sistema FAEP/SENAR-PR é um ponto de apoio para que ele consiga isso”, ressalta o presidente da entidade, Ágide Meneguette.
“Além de ser o setor mais resiliente da economia, a agropecuária tem crescido nos últimos anos. A tecnificação e a infraestrutura têm aproximado, cada vez mais, o campo da cidade, provocando uma mudança de perfil. As pessoas do campo têm acesso a bens e à cultura de uma forma que não tinham décadas atrás. Em muitos casos, a migração aos grandes centros deixa de ser atrativa. Tudo de que a pessoa precisa encontra no campo e nas cidades de interior. Isso provoca o movimento inverso: estimula pessoas que viviam nas cidades a voltarem para o campo”, reforça Luiz Eliezer Ferreira, técnico do Departamento Técnico Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR.
O economista Felippe Serigati, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), destaca um aspecto que ajuda a entender porque o campo tem sido uma alternativa cada vez mais viável: a renda. Enquanto o rendimento médio do brasileiro vem aumentando, em média, 0,9% ao ano, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a remuneração média do produtor tem avançado a 1,5% ao ano, conforme o Centro de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Cepea).
A geração de riquezas também tem crescido mais no campo. Ao longo da última década, o PIB aumentou 10,5% ao ano no interior do Paraná, enquanto o avanço foi de 7,7% na RMC. Além disso, Serigati aponta que os produtos do agro, por serem bens essenciais, estão menos suscetíveis a grandes oscilações de demanda. Em períodos de crise, esse fator dá mais segurança a quem investe na área.
“A renda média do agro aumentou em um ritmo mais intenso do que no restante da economia brasileira. A economia está mais dinâmica e mais aquecida no campo, atraindo mais pessoas. Isso aumenta a demanda por mão de obra e tende a pressionar para cima a remuneração”, explica Serigati. “Os produtos do agro têm uma elasticidade menor. Ainda que haja uma crise monumental, dificilmente as pessoas vão almoçar um dia sim, um dia não. Por outro lado, se sua renda dobrou, você pode até ter almoços mais sofisticados, mas não vai almoçar duas vezes num dia. Então, a demanda está preservada”, explica.
Bons exemplos
Leonardo Weinhardt, de 32 anos, cresceu em meio rural. A família dele mantém uma propriedade na Lapa, na RMC, onde cultivam soja, milho e trigo e mantêm bovinos de cria. Com vocação para a lida no campo, ele cursou Agronomia, na Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba. Em 2011, com o diploma em mãos, decidiu continuar na capital paranaense, trabalhando em uma empresa de agricultura de precisão, onde atuava com venda técnica e prestava consultoria. Logo, no entanto, optou por voltar: em 2014, passou a administrar a propriedade da família, ao lado do pai.
“Mudou tudo. Eu era empregado e passei a empreendedor. Quando você começa a empreender, a responsabilidade pelo sucesso do negócio é 100% sua”, afirma Weinhardt, que passou a morar na propriedade. “Meu pai também está feliz. Antes de eu voltar, ele arrendava terras e ficava mais na pecuária. Com a minha volta, passamos a cultivar soja e crescemos na atividade”, conta.
Formada em administração de empresas e gerente de uma clínica médica em São Paulo, Izonete Arsego, a Iza, tinha uma carreira consolidada na maior cidade da América Latina. Estava, no entanto, cansada da vida estressante na megalópole, espremida entre o trânsito e o escritório. Após muito planejamento, em 2017, ela trocou a cidade grande pelo campo: voltou à pequena Nova Prata do Iguaçu, no Sudoeste do Paraná, onde nasceu e a família mantêm um sítio. No interior, passou a se dedicar ao cultivo de morangos. Hoje, a produtora rural consegue ter uma renda maior, vivendo com mais qualidade de vida e perto dos pais.
“Eu vivi por 25 anos em São Paulo. Estava cansada daquela rotina, começando a ficar doente. Viver no campo não significa trabalhar com a enxada, como era 30 anos atrás. O interior não é mais um lugar em que as pessoas não têm acesso a nada e passam dificuldades. Pelo contrário. Estou feliz e, também financeiramente, melhor que na cidade. Valeu muito a pena”, garante a produtora, de 47 anos.
O casal Débora Carolina Tille, de 34 anos, e Tiago Sorgatto, de 38, também optou por regressar ao meio rural, após ter passado cinco anos em Quedas do Iguaçu, no Sudoeste do Paraná, e dois anos em Joinville, Santa Catarina. Nesse período, ela atuou como psicóloga e ele como bancário concursado do Banco do Brasil. Insatisfeitos com as respectivas carreiras, buscaram orientação profissional e descobriram que a vida no campo ia ao encontro de tudo o que procuravam. Assim, voltaram a Renascença, no Sudoeste do Estado. Lá, passaram a morar na zona rural e a cultivar morangos, em um negócio que não para de crescer, dando emprego a outras pessoas – sete mulheres trabalham na colheita, em dias alternados.
“Nós percebemos que, nas nossas carreiras anteriores, estávamos dando o nosso melhor, os melhores anos das nossas vidas, por algo que não era nosso. Como a família do Tiago já tinha propriedade rural em Renascença, nós pensamos em empreender em alimentos sustentáveis, produzidos de forma tecnológica e com poucos defensivos. Optamos pelos morangos”, diz Débora. “Aqui, temos tudo de que precisamos. Estamos felizes, trabalhando em algo nosso e com impacto social: a oportunidade que damos a outras mulheres e o resgate da agricultura sustentável”, acrescenta.
A qualidade de vida e o aspecto econômico também motivaram uma mudança na trajetória de Ana Paula Rodrigues. Aos 17 anos, ela optou por morar na cidade – em Nova Prata do Iguaçu –, indo trabalhar em um cartório. Cursou administração de empresas e, posteriormente, passou a gerenciar uma empresa financeira, em Verê, também no Sudoeste do Paraná. Em 2018, decidiu, no entanto, fazer o caminho de volta e ajudar a família a implantar um alambique, com produção de cachaça artesanal. Agora aos 29 anos está satisfeita com a consolidação do negócio e com seu novo modelo de vida. “Quando pequena, meus pais sempre falavam: ‘Estude e vá trabalhar na cidade’. Eram muitas dificuldades. Desde então, muita coisa mudou. O campo traz muitas oportunidades. Eu só me arrependo de não ter voltado antes. É uma oportunidade de negócio excelente, com boa geração de renda. Além do que, estou trabalhando em algo que é nosso”, ressalta Ana Paula.
“Quando decidi voltar, meus amigos da cidade disseram: ‘Você é doida! Vai trocar o ar condicionado pela roça’. Na época, eu não respondi. O tempo está provando que eu estava certa”, acrescenta.
Especialização
Não basta, no entanto, simplesmente querer voltar ao meio rural. O modelo de negócio precisa ser rigorosamente estruturado. Como bons empreendedores, os produtores têm de conhecer a atividade a que querem se dedicar. Além de dominar as etapas produtivas da porteira para dentro, também precisam estudar o mercado. Por isso, a especialização é fundamental.
“A agropecuária não aceita aventureiros. É um setor que requer profissionalização extrema. É importante estudar a atividade, pensar na logística, nos fornecedores, no mercado. Esse é o primeiro passo. E o SENAR-PR pode ser decisivo nesse processo”, aponta Luiz Eliezer Ferreira, do Sistema FAEP/SENAR-PR.
Izonete Arsego, por exemplo, passou por diversas capacitações, entre as quais, o Programa Empreendedor Rural (PER), da entidade, a partir do qual investiu no negócio. Hoje, a marca Império dos Morangos está consolidada, com três estufas de 50 m², 15 mil mudas plantadas, fornecendo a produção a municípios da região. Além disso, a empresa conta com quatro trabalhadores na colheita, que ganham por hora trabalhada.
“O PER fez eu me entusiasmar. A partir dali, levantei crédito, investi em novas estufas. Foi tudo planejado. O investimento é alto. Tem que se especializar”, diz. “E pensar num produto diferenciado. Eu vendo a qualidade e o frescor da fruta”, pontua.
Ana Paula Rodrigues estruturou o negócio de forma responsável, afinal, eram muitas dúvidas de como fazer. Ela também fez o PER, que deu segurança para planejar e investir no financiamento do alambique e da moenda de cana. Hoje, a Cachaça Nova Prata tem produção anual entre 20 mil e 25 mil litros. O próximo passo é otimizar a apresentação do produto, apostando em modelos de garrafas mais sofisticados.
“O meu projeto ficou entre os dez finalistas do PER de 2019. O curso abriu muito a minha visão sobre modelo de negócio, planejamento estratégico. Foi o impulso para darmos continuidade ao negócio, com profissionalização”, afirma.
Apesar de ter cursado agronomia e ter concluído MBA, Leonardo Weinhardt sentiu necessidade de continuar se atualizando. Não deixou para depois: fez diversos cursos do SENAR-PR, do NR-31 ao Manejo Integrado de Pragas (MIP). Para ele, os saberes técnicos e o planejamento do negócio são imprescindíveis ao sucesso no setor agropecuário.
“Eu peguei uma grade antiga, defasada, na UFPR. Tem muitas técnicas e tecnologias de ponta que a gente não vê na faculdade”, diz. “Apliquei o MIP na propriedade e não fiz aplicação de inseticida. A gente economiza e agride menos o meio ambiente. Se o produtor não pensar assim, está fadado ao fracasso”, defende.
Rosana Pallu também recorreu à capacitação. Perdeu as contas de quantos cursos frequentou, ofertados pelo IDR e SENAR-PR, em parceria com a Secretaria de Agricultura de Mandirituba. Em dois anos, ela já dobrou o cultivo para 20 mil pés. Agora, está terminando o processo de criação dos rótulos e embalagens da marca São Francisco Salles. “A gente fez tudo com segurança. Para montar as estufas, fizemos todos os cursos, de adubação, de [controle] de pragas… Morango precisa de muito cuidado. Se descuidar, perde a horta inteira. O conhecimento técnico sempre esteve a nossa mão, para ajudar”, aponta.
O casal Débora e Tiago fiz a transição ao campo com respaldo dos saberes especializados. Ainda em Joinville, contaram com apoio de um técnico, que tirou as primeiras dúvidas sobre o cultivo. Ainda hoje, continuam frequentando cursos e contando com consultorias para garantir a viabilidade do negócio. Começaram com uma estufa; agora mantêm três, com um total de 1 mil m² e 10 mil mudas, e com planos de expansão. A marca Dona Roça já é conhecida nos supermercados da região.
“Nós cultivamos em hidroponia, com poucos defensivos. É um produto sustentável. Então, nosso negócio demandou que a gente se especializasse”, aponta.