Os segredos de quem se mantêm no mercado do peixe
“A piscicultura é um monstro adormecido”, afirma o zootecnista Miguel Stahl, prestador de serviço do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-RS). A afirmação se refere tanto ao potencial de crescimento do consumo de peixe no Rio Grande do Sul, quanto da produção de pescados, que ainda tem muito campo – ou água – para se expandir.
Em cada uma das milhares de pequenas propriedades do Estado, é preciso haver açude ou tanque, seja para dar água aos animais ou para irrigação. Esses mesmos espaços, se em condições adequadas, podem ser criadouros de peixes – tanto para subsistência quanto para renda complementar. Em ambos os casos, porém, o produtor precisará de orientação técnica, e poderá obtê-la junto ao Senar-RS.
A instituição oferece dois cursos específicos no campo da piscicultura – Criação de Peixes de Água Doce e Processamento de Peixes – que oferecem subsídios que vão desde a montagem e manutenção de tanques até cortes e conservação dos peixes para o consumo.
“Os cursos são voltados para produtores que tenham interesse na área. O de Criação tem duração de 20 horas, e é dividido em três dias. A gente começa bem básico e vai avançando dentro de uma sequência lógica. Começa com construções, depois vamos para a qualidade de água, que deve ser bem controlada, já que os peixes vivem em ambiente artificial. Depois, falamos de densidade de povoamento, alimentação e vamos até a parte comercial”, explica Stahl.
Já o curso de Processamento de Peixes, que tem 16 horas de duração, tem como ponto de partida as boas práticas de manuseio dessa proteína, muito sensível a altas temperaturas.
“Em condições inadequadas de armazenamento, o peixe se deteriora rapidamente. No curso ensinamos os produtores a como manter seu frescor durante e após o abate. As próprias técnicas de abate, como a insensibilização, que é mais moderna, estão no curso. Por fim, mostramos técnicas de evisceração, cortes e porcionamento de variados tipos de peixe”, conta.
Aprender para ganhar mercado
Piscicultor e comerciante, Irineu Wünsch, 55 anos, vende tilápias, carpas, traíras e jundiás no estabelecimento que montou em Horizontina. Apesar de ter 30 anos de experiência na criação de peixes, ele diz que aprendeu muito com os cursos do Senar feitos há três anos. Ele afirma que o conhecimento se reverteu em aumento na clientela.
“Eu não sabia fazer a despesca, que é tirar o peixe do açude e colocar em água limpa para ele se limpar durante um dia antes do abate. A gente nunca fazia isso. Só pegava o peixe e carneava, nem deixava sangrar completamente. Quando se faz dessa maneira, o sangue fica coalhado no animal e fica aquele gosto ruim de lodo. Depois que aprendi isso, minha clientela cresceu uns 80%, porque um vai falando para o outro que o seu peixe é bom”, conta Irineu.
Prestador de serviço do Senar-RS, o engenheiro agrônomo Fábio Miguens afirma que ter esse tipo de conhecimento é fundamental para os produtores que quiserem investir na piscicultura comercial. E ele também recomenda aos interessados que busquem conhecimentos em gestão de negócios.
“O custo de produção é alto e o consumo ainda é baixo, infelizmente. O produtor precisa ter conhecimento de quais serão seus custos fixos e variáveis, que benfeitorias serão necessárias, e se tem que mercado, porque aí tem uma carência muito grande. Mas não é impossível. Onde não existe mercado, às vezes, dá para criar”, garante Miguens.
O agrônomo cita como exemplo um ex-aluno, o produtor rural João Luís Cunha da Silva, 52 anos. Na propriedade de seis hectares onde vive, em Santo Antônio da Patrulha, ele planta batata, aipim e milho, tem gado de leite, galinhas e porcos. Tudo isso, basicamente, para subsistência. O sustento mesmo vem dos 30 açudes nos quais há 23 anos ele cria carpas, tilápias, jundiás, entre outros peixes.
A produção, ele vende em casa mesmo, em uma feira de peixe vivo que ele promove às sextas e sábados e que atrai gente da capital e da região metropolitana. Alevinos também estão à venda na banca caseira. Com a pandemia, a clientela diminuiu. Mas João Luís conta que, antes, havia fila de carros na porta. O chamariz para tanta gente era uma placa à beira da estrada em direção às praias e o conhecimento repassado ao freguês.
“Aprendi com o Senar a criar e processar os peixes. Eu ensino aos meus clientes como fazer. Ainda mais para quem compra alevinos. Tem gente que acha que é só largar o peixe no açude que ele se cria. Mas tem de ter cuidado até com os açudes para ter um peixe bom”, ensina o piscicultor.
Agroindústria
Conforme a Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR), o Rio Grande do Sul é o 11º no ranking do setor. Em 2020, o Estado produziu 26.102 toneladas de peixe de cultivo, uma alta de 4,4% em relação a 2019. Ainda assim, a cadeia de produção sofre com entraves alguns conhecidos.
Além da baixa profissionalização, pesa sobre o setor um mercado consumidor tímido. No Brasil, o consumo per capita de frangos supera os 42 quilos por habitante ao ano e o de carne. Ainda que em queda em função da alta dos preços, permanece acima de 30 quilos ao ano. Já o consumo de peixes de cultivo é inferior a 4 quilos por habitante ao ano, segundo a Peixe BR.
“E o Estado não é autossuficiente na produção de peixe. Tilápia, que é a espécie mais consumida aqui, a gente compra do Paraná. Se o gaúcho consumir 100g a mais por ano, imagina o quanto nossa produção vai precisar crescer? Imagine se aumentasse um quilo por habitante?”, sugere Miguel Stahl.
Outro entrave para os piscicultores é manter unidades de beneficiamento, que precisam de inspeção e registro municipal ou estadual. Essa necessidade pode ser driblada pela venda em feiras comunitárias, prática que minguou durante a pandemia, reduzindo as vendas – inclusive na Páscoa.
O produtor Alberto Daniel Schirmer, 48 anos, começou a investir na piscicultura há 15. E para poder vender bem seu peixe, há quatro anos montou uma pequena agroindústria em sua casa, em Parobé.
“Comecei a criar peixe e não tinha para quem vender. Cheguei a fazer abate clandestinamente, porque não tinha onde fazer. Então, fiz o investimento de montar minha agroindústria, com inspeção SIM, tudo certinho. Crio mais tilápias e faço o abate. Aqui, faço filé, bolinhos de peixe e vendo para merenda escolar municipal, para o Programa de Aquisição de Alimentos PAA. Quando tem feira eu vou, também. Trabalho tem bastante e a gente segue lutando”, finaliza Alberto.