Bancos defendem metas e parcerias para a contratação de mais negros
O movimento Afro Presença convidou líderes de quatro das maiores instituições financeiras do Brasil para debater na manhã desta quarta-feira (30) o racismo estrutural nas empresas. O painel foi mediado pela jornalista da Record TV Mariana Bispo.
Os quatro represantes das companhias Itaú, Santander Brasil, Bradesco e B3, a bolsa de valores do país, admitiram que em suas empresas os negros ainda ganham menos que os brancos e ocupam no máximo 30% do quadro de funcionários.
A saída para a falha no processo, reflexo do preconceito racial do país, é criar metas internas para abrir mais vagas e garantir salários melhores, equivalentes aos dos trabalhadores brancos. Além de firmar parcerias com instituições de ensino com o objetivo de reduzir a diferença educacional dos jovens de classes menos favorecidas, qualificando-os para não só ocupar o posto, mas também para liderarem as decisões da empresa.
Mariana Bispo abriu o painel contando que os negros representam 54% da população brasileira, mas ficam com só 5% dos cargos nas grandes companhias. “Quando se fala em vagas de liderança, esse número cai abruptamente.”
A diretora-executiva do banco Itaú, Leila Melo, concordou com a afirmação. A instituição tem 85 mil colaboradores e 23% são negros. “Quando a gente olha para os cargos de liderança, são 15%.”
Ela contou que há dois anos a instituição estuda formas de aumentar a inclusão desses trabalhadores. Entre as mudanças estão a revisão da forma como se faz a seleção, cursos de qualificação para os candidatos, por meio de parcerias com instituições de ensino, e sensibilização sobre o tema em conversas, debates e seminários com toda a equipe.
Glaucimar Peticov, diretora-executiva do Bradesco
A representante do Bradesco que participou da mesa, a diretora-executiva Glaucimar Peticov, afirmou que a empresa trabalha em muitas frentes para gerar exemplos e estimular a alteração comportamental que tem dificultado a carreira para milhões de pessoas em função de suas raças.
“Diversidade é um fato, mas é importante falarmos na inclusão. Diversidade é quando você convida várias pessoas para uma festa. Inclusão é quando você tira essas pessoas para dançar.”
Ela admitiu que apenas 29% dos funcionários do Bradesco são negros, e 19% têm cargos de liderança. “Esse processo exige muito mais das nossas ações”, observou.
Glaucimar citou que faz diferença, por exemplo, para um cliente negro do banco ver que outra pessoa com suas características a está atendendo.
O ponto, segundo ela, não é dar vagas somente, mas fazer com que seja possível o desenvolvimento da carreira desses funcionários. “Esse processo tem início no recrutamento e na seleção”, disse.
Os participantes da videoconferências disseram que mais do que iniciativas ou discursos conscientes, é preciso agir para acabar com o preconceito.
“O antirracismo não é um favor para os negros, é um favor para a própria empresa e é uma pauta que está ativa em todas as companhias e precisam ser criadas iniciativas e ações práticas para reverter esse quadro”, comentou a jornalista Mariana Bispo.
Vanessa Lobato, vice-presidente do Santander Brasil, disse que o país tem uma dívida com a população negra. “Não pode ser apenas um powerpoint bonito, tem que haver uma iniciativa concreta.”
O Santander, segundo ela, ganhou alguns prêmios por suas políticas de inclusão, mas está longe de chegar aos 54% de funcionários negros (hoje são 33%). “Acho que a alta liderança precisa abraçar o tema. É preciso ter um processo de conscientização. Lidar com isso, sem jogar pedra, mas aprender que todos nós temos um lado inconsciente, somos fruto do que vivemos e aprendemos.”
“Até outro dia a gente ouvia a frase de que o país não era racista. Quem lida com racismo lida com situações diárias de olhares desviados, comportamentos, perguntas inadequadas…”, avaliou,
“É muito claro que existe um gap [vão, em inglês] educacional. Um jovem negro e um jovem branco no nosso país não começam a corrida do mesmo lugar. Oportunidade tem para todos, vontade muitos têm, mas não começam do mesmo lugar”, enfatizou a vice-presidente do Santander.
Gilson Finkelsztain, presidente da B3, afirmou que 13% dos funcionários da companhia são negros.
Finkelsztain citou que a B3 estabeleceu três grandes metas para estimular a diversidade: criar um ambiente livre de assédio, “onde todos podem ser quem são”, garantir representatividade dos grupos minoritários e manter sempre a abertura para diálogo e inclusão.
“O ponto chave do trabalho é reduzir o gap de representatividade. Temos vários exemplos de que quando você coloca um líder negro ou uma mulher, naturalmente há uma tendência de se trazer mais negros e mais mulheres para a equipe”, contou.
A B3 também acredita nas parcerias para qualificar os candidatos a vagas e facilitar a entrada de negros na companhia.
Salários
Vanessa Lobato, do Santander, disse que é de extrema importância falar sobre salários e disse que o acompanhamento das estatísticas da empresa ajuda a evitar racismo. “Quando a gente percebe que jovens negros com notas altas não foram promovidos ou não tiveram aumento, vemos que há algo para ser analisado ali.”
“Nossa meta é que não exista diferença alguma em função de cor ou sexo”, afirmou.
No Itaú, o trabalho também é feito em cima dos dados. “É muito importante conhecer os números da companhia e traçar metas em cima deles”, disse Leila Melo.
“A gente é um pouco o espelho da nossa sociedade. E ainda somos uma sociedade preconceituosa em relação à cor da pele do indivíduo. As causas do gap salarial remonta ao período escravocrata do Brasil.”
As empresas, segundo Leila, precisam identificar em quais áreas elas podem colocar mais negros e definir para essas pessoas planos de carreira que serão permanentemente acompanhados.
Leila disse que conversas com trabalhadores do banco mostraram soluções simples para reduzir problemas que afastavam esse público da instituição. Uma delas foi a de colocar negros na avaliação e seleção de novos funcionários.
O presidente da B3 afirmou que a estratégia da empresa é estabelecer que os salários em funções similares não podem ficar distantes percentualmente.
Finkelsztain também analisou que não se pode colocar uma etiqueta no funcionário, que estaria ali apenas por ser negro. O ideal, argumenta, é criar regras internas que aumentem sua participação e importância na corporação.
Vanessa Lobato, do Santander, em sua última fala, analisou a importância de conversas com esta e a relevância de pais e filhos conversarem em casa sobre racismo. “Como foi importante para mim refletir sobre o assunto e ressignificar certas expressões e posturas. É muito importante que isso seja estimulado.”