Em meio ao aprofundamento de problemas históricos do estado, a eleição deste ano ao governo do Rio representará uma espécie de troca de pele na política fluminense: é a primeira em que os principais candidatos construíram suas trajetórias já neste século, durante as eras Garotinho e Cabral.
O atual governador, Cláudio Castro (PL), e as candidaturas de Marcelo Freixo (PSB) , Rodrigo Neves (PDT) e Paulo Ganime (Novo) participam da corrida pelo Palácio Guanabara com propostas divergentes para questões como a ameaça de colapso do sistema de transporte público estadual, o avanço de mortes em operações policiais, a crise no modelo de Organizações Sociais (OSs) na área da saúde e a defasagem escolar, aprofundada na pandemia da Covid-19.
Em comum, todos os quatro ocuparam seus primeiros cargos públicos a partir de 1998, numa era marcada por problemas judiciais para chefes do Executivo estadual. Todos os cinco governadores eleitos desde então ou foram presos, ou não concluíram o mandato.
Castro, de 43 anos, assumiu o governo interinamente em agosto de 2020 com o afastamento do então titular, Wilson Witzel , pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Witzel, que tenta registrar nova candidatura neste ano, pelo PMB, embora esteja inelegível, sofreu impeachment em maio do ano passado.
A gestão Castro começou no mesmo dia do leilão de concessão dos serviços de saneamento da Cedae, cuja arrecadação de R$ 22,6 bilhões tornou-se um dos principais ativos do atual governo — e fonte também de acusações de uso eleitoreiro de recursos, agravadas com a revelação do esquema de cargos secretos da fundação Ceperj, que movimentaram R$ 226 milhões.
Sem experiência prévia no Executivo e com apenas um mandato de vereador no Rio, Castro usou os cerca de 15 meses à frente do governo para anunciar programas de grande porte — como o Pacto RJ, conjunto de obras orçadas em R$ 17 bilhões, e o Cidade Integrada, que prevê R$ 500 milhões em ações sociais e de segurança — e montar uma aliança de 14 partidos.
Um desses apoios é do MDB, que tem o ex-prefeito de Duque de Caxias, Washington Reis, como vice na chapa. Ele foi alvo de pedido de impugnação esta semana , feito pela Procuradoria Eleitoral, que o considera inelegível por uma condenação por crime ambiental em 2016.
Freixo, deputado federal, de 55 anos, e Neves, ex-prefeito de Niterói, de 46, disputaram suas primeiras eleições no fim da década de 1990, e ganharam projeção ao chegarem à Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) em 2007. Corria à época o governo Sérgio Cabral, sucessor das gestões do casal Anthony e Rosinha Garotinho. Ganime, de 39 anos, estreou na política se elegendo à Câmara em 2018.
Antes da posse de Witzel, ex-juiz federal vitorioso em sua estreia nas urnas em 2018, o ex-governador Luiz Fernando Pezão (MDB) tornou-se o quarto governador eleito sucessivamente a ser preso, todos em investigações envolvendo corrupção. Garotinho e Rosinha foram presos em diferentes ocasiões entre 2016 e 2019; Cabral segue em prisão preventiva desde 2016.
Caveirão em alta
No governo Castro, em que pese a queda de homicídios, o número de mortes decorrentes de intervenção policial, que vem subindo desde 2014, atingiu um pico de 1.356 no ano passado.
O número só fica atrás dos índices registrados em 2018, ano em que houve intervenção federal na segurança do Rio, e 2019, recorde histórico, com 1.814 mortes. Em 2020, mesmo com uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que restringia operações policiais em favelas, houve 1.245 óbitos desse tipo.
O estado tem registrado ainda a expansão de territórios com presença de milícias. Em 2020, o estudo Mapa dos Grupos Armados do Rio apontou que um em cada três moradores da capital fluminense vivem em bairros controlados por grupos milicianos. Na Região Metropolitana, o índice é de 29%.
Em seus planos para a segurança, os quatro candidatos disseram ao GLOBO ser favoráveis ao uso do caveirão em operações policiais em favelas. Neves e Ganime disseram que o veículo deve ser usado “para proteção dos policiais”. O candidato do PDT ponderou ainda que operações “não são a melhor nem a principal estratégia” da política de segurança. Freixo afirmou que o caveirão deve ser usado “quando houver necessidade”, conforme “protocolo de ação policial”.
Em relação à recriação da secretaria estadual de Segurança Pública, extinta no governo Witzel — que deu status de secretaria às polícias Militar e Civil —, apenas Neves se disse favorável.
Na Saúde, o modelo de OSs na gestão hospitalar — pivô do afastamento de Witzel— causa maiores divisões entre os candidatos. Castro afirma ser contra o modelo: “Desde que assumi, venho trabalhando para reduzir a participação das OSs, por entender que é um modelo que não favorece o controle do estado”.
Neves também respondeu não considerar as OSs o melhor caminho, embora admita usar o modelo em parte da rede, desde que haja o “acompanhamento dos contratos com transparência”. Freixo disse haver “OSs que funcionam bem e aquelas que não funcionam”, e defendeu um programa de contratação de médicos e enfermeiros pelo governo.
Tarifa mais cara
Freixo, Neves e Ganime defenderam, na área de mobilidade urbana, a adoção de subsídio estadual para redução do preço da passagem de modais como trem e metrô. O Rio é o único estado que repassa integralmente o custo da tarifa aos usuários. A chamada “tarifa social”, com valor reduzido, só se aplica hoje para usuários do Bilhete Único Intermunicipal nas barcas e quando fazem a integração entre dois modais.
A tarifa do metrô, de R$ 6,50, é a mais cara do país. A do trem foi congelada nos atuais R$ 5 até o fim do ano, mediante um acordo do governo com a Supervia que prevê o desembolso de R$ 251 milhões pelo estado como compensação de perdas na pandemia. Em 2021, o total de passagens comercializadas pela Supervia foi de 89 milhões, metade do índice de 2019 e abaixo também do número de 2020. O metrô teve cerca de 90 milhões de passageiros nos dois últimos anos, ante 194 milhões no pré-pandemia.
“O governo tem que garantir a redução da passagem. Esse incremento do subsídio será acompanhado de bilhetagem digital pública, garantindo transparência e controle”, afirmou Freixo.
A educação também traz desafios. O desempenho da rede estadual no Ideb piorou entre 2015 e 2019, quando a nota do Ensino Médio foi 3,5 — quase 1 ponto abaixo da meta. No ano passado, seguindo uma tendência nacional, a taxa de conclusão escolar aos 19 anos também caiu, para 63,7%.
“Vamos reabrir e modernizar os CIEPs abandonados. O déficit de aprendizagem decorre também da ineficiência do governo”, disse Neves.
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Fonte: IG Nacional