Unicef cobra de candidatos ações voltadas a crianças no Brasil
O Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) elaborou um documento e cobra um plano de ações dos candidatos nas Eleições Municipais 2020 para o enfrentamento de problemas relacionados a crianças e adolescentes brasileiros, entre eles, o trabalho infantil, violência, educação e o saneamento.
Segundo a entidade, as vidas de crianças e adolescentes foram impactadas pela pandemia do novo coronavírus. As escolas ficaram fechadas por meses e o isolamento social trouxe reflexos na aprendizagem, proteção e saúde mental dos estudantes, entre outros problemas.
“A crise econômica afetou meninas e meninos de forma mais intensa. Suas famílias tiveram as maiores reduções de renda e uma piora na qualidade da alimentação, em comparação com quem vive em casas sem crianças e adolescentes. Todos esses fatores atingiram, em especial, quem já vivia em situação de vulnerabilidade, ampliando as desigualdades no País”, destacou o relatório do Unicef.
A entidade separou seis áreas que merecem a atenção dos políticos que concorrem ao Executivo municipal neste ano: água, saneamento e higiene; educação; desenvolvimento infantil; proteção contra a violência; adolescência e proteção social.
Segundo a representante do Unicef no Brasil, Florence Bauer, o país já tinha desafios fortes e alarmantes que se intensificaram com a pandemia. “Há uma série de lacunas anteriores, mas agora estão ainda mais preocupantes dada a importância do acesso à água, saneamento e higiene para evitar o contágio [do coronavírus]. As disparidades aumentaram na pandemia e é importante ir atrás dos mais impactados em territórios mais vulneráveis”, ressaltou.
A entidade afirma que as crianças são as vítimas ocultas da pandemia, uma vez que elas não são as mais afetadas pela covid-19, mas, por outro lado, sofrem impactos secundários. “As seis áreas precisam estar na pauta dos candidatos nas Eleições Municipais para mitigar os impactos da pandemia. As crianças e adolescentes precisam estar no centro do debate e das políticas públicas porque a perda de um ano na vida delas tem mais impacto do que o de um ano na vida adulta”, esclareceu a representante do Unicef.
Saneamento básico
Segundo o Unicef, o Brasil possui 15 milhões de habitantes em áreas urbanas sem acesso à água tratada. Já nas áreas rurais, 25 milhões gozam apenas de um nível básico do serviço.
Outros dados apurados pela entidade (com dados de 2017) mostram que 39% das escolas brasileiras não têm serviços básicos para lavagem das mãos. Já 26% não têm acesso ao abastecimento público de água e 49% nao têm acesso à rede pública de esgoto.
Segundo o Unicef, água, saneamento e higiene devem estar entre as principais prioridades dos novos governos municipais, em coordenação com Estados e União. Ainda mais agora com a urgência trazida pela pandemia de covid-19.
Nesse sentido, o Unicef recomenda a implementação de um plano municipal de saneamento em territórios vulneráveis e investimentos em ações emergenciais de água, saneamento e higiene nos serviços públicos.
Educação
O Unicef pede a reabertura das escolas com segurança e mais recursos para a aprendizagem dos alunos, pois, embora necessário, o cancelamento das aulas presenciais para conter a contaminação da covid-19 gerou impactos profundos na vida das crianças e dos adolescentes. A escola é vista pela entidade como uma espécie de proteção aos jovens.
Antes do início da pandemia, cerca de 4,8 milhões de estudantes brasileiros viviam em casas sem acesso à internet – o que teve forte impacto nas oportunidades de acesso ao ensino online.
Em agosto deste ano, cerca de quatro milhões de estudantes do ensino fundamental (14,4%) estavam sem acesso a nenhuma atividade escolar. A maioria negros, vivendo em famílias com renda domiciliar inferior a meio salário mínimo.
De acordo com a PNAD Covid, enquanto 21,5% dos estudantes com renda domiciliar de menos de meio salário mínimo não receberam nenhuma atividade escolar em agosto, entre aqueles com renda de mais de 4 salários mínimos, foram 7,9%.
A recomendação aos candidatos eleitos é também fazer a busca ativa das crianças que estão fora da escola e investir na inclusão digital.
O Unicef também cobra a atenção dos políticos com a primeira infância. Com a pandemia, os desafios se agravaram. Em todo o mundo, houve queda nas coberturas vacinais.
Segundo a entidade, mais de 117 milhões de crianças de 37 países podem não receber a vacina contra o sarampo. A insegurança alimentar e nutricional se acentuou, com impactos na infância. Cerca de 33 milhões de brasileiros (21%) relataram momentos em que os alimentos acabaram e não havia dinheiro para comprar mais. Nas famílias com filhos, o percentual foi de 27%.
Com o isolamento social provocado pelo temor da infecção pelo novo coronavírus, crianças pequenas ficaram longe da rede de proteção e da educação infantil. Elas também foram muito afetadas pelo aumento da violência doméstica e pela redução da renda familiar.
Por isso, o Unicef sugere a implementação de programas multissetoriais voltados à primeira infância, investimentos em saúde, educação e segurança de crianças e de suas famílias.
Proteção contra a violência
A entidade também reforça a necessidade da criação de um pacto pela proteção de crianças e adolescentes contra a violência letal e outras agressões.
Em 2018, 9.781 meninas e meninos foram vítimas de homicídio no Brasil, sendo a maioria negros. Havia também 2,4 milhões de crianças e adolescentes em trabalho infantil, em 2016. Deste total, 64% eram negros.
A violência sexual também preocupa, uma vez que quatro meninas de até 13 anos de idade foram estupradas por hora em 2019 no Brasil. De acordo com Florence Bauer, a violência acontece, muitas vezes, dentro de casa e, com a escola fechada, a situação pode se agravar: “O número é alarmante e numa idade muito baixa com consequências à criança, família e à sociedade como um tudo. A escola serve como proteção a essas crianças”.
Longe da escola e dos serviços de saúde e assistência social, as crianças perderam o contato com a rede de proteção. Além disso, a crise econômica provocada pela covid-19 impactou especialmente as mais vulneráveis, ampliando o trabalho infantil no País.
O Unicef acredita ser fundamental o fortalecimento do sistema de garantia de direitos, além de investimentos financeiros e humanos em políticas de prevenção e resposta às diferentes violências.
“Destinar orçamento para crianças e adolescentes é, na verdade, um investimento porque evita impactos econômicos e sociais que vão surgir no futuro”, enfatizou Florence Bauer.
Para o Unicef, é essencial oferecer oportunidades reais a cada adolescente “com o intuito de criar um mundo melhor para si e para os outros”.
Segundo uma enquete da entidade, realizada com quatro mil adolescentes, 72% dos entrevistados sentiram necessidade de pedir ajuda na pandemia. Nos territórios mais pobres, os problemas foram ainda maiores.
A recomendação do Unicef é que as autoridades públicas cuidem da saúde mental de adolescentes, criem oportunidades de educação, aprendizagem e trabalho protegido, além de apoio para quem deixou a escola ou esteja em atraso escolar.
“É preciso que haja vagas de qualidade de estágio e de aprendiz aos adolescentes para prepará-los ao mundo do trabalho. Para isso tem que ir atrás de quem está também fora da escola”, cobrou a representante do Unicef.
Proteção social
Por fim, o Unicef prega que a infância e a adolescência sejam prioridades no orçamento e nas políticas públicas municipais nas gestões que devem ser iniciadas a partir de 1º de janeiro de 2021.
Segundo uma pesquisa realizada pelo Ibope, encomendada pelo Unicef, em julho deste ano, 55% dos brasileiros afirmaram que o rendimento familiar diminuiu desde o início da pandemia. E os impactos dessa queda foram maiores em famílias com crianças e adolescentes.
Entre as famílias entrevistadas, 63% viram a renda diminuir. A redução também está mais presente nas camadas mais pobres da sociedade: 67% daqueles com renda familiar de até um salário mínimo tiveram queda de rendimentos, contra 36% dos que possuem renda superior a dez salários mínimos.
O auxílio emergencial do governo federal foi pedido por 46% dos brasileiros entrevistados pela pesquisa. Entre aqueles que vivem com crianças e adolescentes, o percentual subiu para 52%.
A pandemia também revelou a existência de uma parcela importante da população brasileira que não era alcançada pelos cadastros dos programas de transferência de renda existentes no país.