“Fazer arte no Brasil virou ato de resistência”, diz Lorena Lourenço
Lorena Lourenço é diretora, escritora e produtora premiada do Rio de Janeiro e ex-aluna da USC School of Cinematic Arts. Aos 28 anos, a carioca tem uma paixão por contar histórias de perspectivas marginalizadas que destacam a identidade do povo, as experiências migratórias e a força feminina.
Seu curta “Muy Gay Too Mexicano” foi selecionado para várias competições, recebeu o prêmio como um dos melhores do Festival Latino Internacional de Los Angeles (LALIFF) e está sendo distribuído pela HBO Max americana. A obra mostra a dualidade com a qual seu protagonista tem de lidar por ser gay e mexicano enquanto se prepara para um encontro.
Seu roteiro “Divine Period” foi semifinalista no Series-Fest Women’s Writing Competition. Já “Yas Kween”, websérie que dirigiu com David Mandell, está passando no Revry, canal on-line LGBTQIA+, e o curta-metragem “Joy” acabou sendo aclamado internacionalmente por tratar de sua vivência como mulher imigrante na América do Trump.
Morando há nove em Los Angeles, ela já trabalhou com artistas renomados, como Troian Bellisario, de “Pretty Little Liars”, o músico de jazz Kamasi Washington, Emily Osment, de “Family Guy”, “O Método Kominsky” e “Hannah Montana”, e Ivy George, de “Big Little Lies”.
Também participou da produção de documentários indicados a importantes eventos de Tribeca e de Sundance, bem como em programas de televisão para Netflix, HBO e Amazon Prime Video, só para citar alguns exemplos. A fim de abordar esses e outros assuntos, fomos atrás de Lorena, que topou bater um papo exclusivo com o site. Confira os momentos mais interessantes na íntegra!
1. Como é a vida de uma imigrante na cidade em que tudo gira em torno da arte?
Pode ser bem difícil, já que muitas das oportunidades disponíveis acabam (por motivos burocráticos) sendo somente para residentes, porém também se torna inspirador. Não há nada como ter milhares de exposições ao seu redor, de artistas do mundo inteiro, sobre todo e qualquer tema. Esse ambiente realmente ajuda a revigorar a paixão pelo que fazemos, ao achar novas perspectivas com tanta facilidade.
2. Você dirige, produz e escreve. De onde vem o estímulo, inclusive, para entrar na área?
Eu sempre fui apaixonada por cinema. Fazia maratonas cinematográficas com o meu pai e atuava em peças de teatro na escola. Passei a querer escrever, dirigir e produzir quando ainda era adolescente e assistia a filmes que viraram experiências transcendentes para mim, como “Cidade de Deus” e “Um Sonho de Amor”. E a inspiração para continuar criando conteúdo é alimentada por um desejo de colocar na tela histórias de imigrantes, mulheres e pessoas que grandes estúdios tendem a ignorar ou esquecer.
3. Você costuma abordar temas relevantes da atualidade, especialmente as causas feministas. Como a indústria cinematográfica tem recebido esses projetos?
As primeiras respostas que ouvi foram que histórias com temáticas focadas em mulheres, imigrantes, latinos e/ou personagens LGBTQIA+ não tinham audiência o suficiente. Estúdios e financiadores demonstravam pouco interesse sobre aqueles que queria protagonizar. Demorou, mas, com dificuldade, consegui encontrar parceiros que quisessem contar as mesmas narrativas que eu.
4. E como é usar a arte para não só tocar em assuntos importantes, como também transformar pessoas e suas visões de mundo?
Um completo privilégio. Esse sonho, várias vezes, me pareceu impossível, dado o desafio que foi fazer o meu trabalho. Mas conseguir pôr em prática aquilo com que tanto sonhei, tocando o espectador, especialmente com o apoio de estúdios como a HBO Max, tem sido muito mais gratificante do que poderia imaginar.
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5. E como analisa o mercado para quem quer trabalhar como diretora, produtora e roteirista?
Ele é muito masculino, não só em termos de direção, mas também para roteiro e produção. Convencer estúdios e financiadores de que existe audiência para narrativas femininas é uma batalha difícil. Ainda encontro mais um desafio tentando mostrar que, como imigrante e latina, sou capaz de liderar um set. Porém, há esperança! Temos a cada dia mais oportunidades voltadas para atrair e manter mulheres em posições de liderança na indústria de cinema.
6. Apesar da pouca idade, você tem projetos importantes no streaming internacional, vários prêmios e colaborações com artistas de projeção. Como analisa sua trajetória e qual seu objetivo maior na profissão?
Acredito que consegui apresentar à indústria dos Estados Unidos uma perspectiva e estética únicas: tanto no conteúdo como no visual. Os meus filmes têm muita comédia e entretêm, ao mesmo tempo em que contam narrativas reais e comoventes. Acho que a combinação desses elementos foi o grande diferencial da minha voz artística e o que me impulsionou ao momento no qual me encontro. E, daqui para frente, só espero poder continuar contando histórias que têm importância para mim, do meu modo, com uma alegria brasileira.
7. E pensa em atuar também assim como grandes diretores fazem?
Admiro muito quem é capaz de dirigir e interpretar ao mesmo tempo, mas, quando me formei, já sabia que o meu talento estava atrás das câmeras. Porém, gosto de colaborar com os atores para conseguirmos a performance mais real e intrigante possível.
8. Quais os próximos projetos?
Além do videoclipe “I’m Fine”, da cantora Samantha Gordon, tem um longa que estou dirigindo e produzindo em parceria com o escritor de “Muy Gay Too Mexicano”, Jorge Molina, que explora o forte relacionamento entre a comunidade gay e seus ícones queer, que são venerados em um nível que pode acabar sendo perigoso. Também tem o curta-metragem “Stitched”, escrito pela Pratima Mani, que foi nomeada ao Emmy, sob a minha direção. O filme narra a trajetória de uma imigrante indiana nos Estados Unidos à procura da sua alma gêmea.
9. Tem algo previsto para realizar no Brasil?
Ainda não, mas adoraria. Nada como poder trabalhar no nosso português e dentro do contexto da nossa cultura!
10. Mesmo morando fora há nove anos, como analisa a situação dos artistas por aqui? Isso causa algum impacto em você?
Fácil não está, né? Não consigo falar sem o meu sangue ferver. Como se consegue trabalhar com mudanças na Lei Rouanet inviabilizando a produção? Com um presidente que diminui a importância e o investimento da classe artística com toda oportunidade que ele tem? Fazer arte virou ato de resistência, é algo revolucionário! Admiro, bato palma e sou grata a todos os que continuam na luta. Tento fazer a minha parte, trazendo a cultura brasileira para um palco global! E afeta, sim, porque, apesar de o meu foco hoje ser os Estados Unidos, adoraria voltar e estar em atividade aí também!