Filho de Rita Lee celebra saúde da mãe após câncer: ‘O pior já passou’
Beto Lee estava na barriga da mãe quando ela foi presa por suposto porte de maconha na ditadura militar (“quer coisa mais rock and roll do que ser preso antes de nascer?”, diverte-se ele). Também viu surgir na sala de sua casa hits que moldaram o pop/rock brasileiro e que depois teve oportunidade de tocar na banda da rainha do rock.
É com esse lugar não só de testemunha ocular, mas de agente dessa história que o filho mais velho de Rita Lee e Roberto de Carvalho subirá ao palco com “CeLeebration”, show que estreia dia 15, no Teatro Liberdade, em São Paulo.
Dedicado à obra icônica de sua progenitora, o espetáculo, realização da Lab Cultural, celebra os 55 anos da trajetória profissional de Rita. No repertório, sucessos de várias fases da carreira dela: dos tempos das bandas Mutantes e Tutti Frutti, passando pela época solo, até as parcerias com o marido, Roberto. “Saúde”, lança perfume”, “Ovelha negra”, “Ando meio desligado”, “Agora só falta você”, “On the rocks”, “Mania de você” e “Banho de espuma” são algumas canções que Beto escolheu tanto para matar saudades quanto para aplicar nas novelas gerações.
“É uma questão de honrar tudo que ela fez e celebrar a vida dela. São 55 anos prestando um serviço imensurável para o país e a cultura, reivindicando a independência feminina”, destaca Beto.
“Aos 45 anos, tenho maturidade para pegar essas músicas e entregar tanto aos fãs antigos como aos da idade da minha filha, Izabela, de 15 anos”, disse. Uma geração que, como ele diz, “não viu a velha em ação”.
“Minha mãe se aposentou há muito tempo. Quando fui ao bloco de carnaval Ritalina e vi um monte de adolescente cantando as músicas dela, pensei nisso. Essa responsa é minha também! No mais, isso aqui é Brasil: se eu não fizer, algum panaca que não tem nada a ver vai fazer. Não vou deixar para ninguém!”, crava Beto, que convidou músicos que tocaram com Rita para compor a banda.
‘Foi uma estrada esburacada, mas ela conseguiu atravessar, o pior passou’
O show de Beto Lee chega em um momento de alívio na família. Como se sabe, Rita enfrentou um câncer (que ela batizou de “Jair”) no meio da pandemia de Covid. Em maio do ano passado, a cantora foi diagnosticada com um tumor primário no pulmão esquerdo após exames de rotina.
“A notícia caiu como uma bomba, ligou um sinal de alerta forte. A sorte foi ter descoberto no início, o que facilitou a recuperação”, conta Beto. “Foi uma estrada bem esburacada, mas ela conseguiu atravessar. Está ótima, se recuperando bem, o pior já passou”, disse.
Em meio a sessões de imunoterapia e radioterapia, a família seguiu confiante. Em nenhum momento Beto pensou que a mãe fosse sucumbir. Conhece de perto a mulher de luta que ela é.
Caso sério
É gente como a backing vocal Debora Reis e o baixista e ex-Tutti Frutti Lee Marcucci (coautor de “Jardins da Babilônia” e “Miss Brasil 2000”), que acompanhou Rita por 45 anos e é considerado por Beto o “mestre” no meio da turma. Marcussi está emocionado em dividir o palco com o filho da parceira de tanta estrada.
“Peguei o Beto no colo, lembro de a Rita dando de mamar para ele no camarim no meio daquela loucura toda do Tutti Frutti . Quem diria que tantos anos depois ia estar com saúde para subir no palco ao lado dele”, comemora Marcussi.
“Beto está maduro profissionalmente e na forma com que se dirige ao público, super inteligente e falando sobre assuntos que todo mundo se interessa”, disse.
O show e o set list, que Beto teve dificuldade em escolher em meio a tantos hits, estão mais do que abençoados pela eterna Santa Rita de Sampa. Quando ela e Roberto ouviram da boca do filho a ideia, toparam na hora, como conta a própria.
“Estava eu lá na doce vidinha no mato, cercada de bichos e plantas, quando meu filho telefona pedindo a benção para montar um show com hits dos meus 50 anos de estrada musical. Ninguém teria melhor background para tal projeto. Ele tocou comigo por treze anos e sabe como ninguém como era conviver com seus pais dentro e fora do palco. Além de pilotar a guitarra com maestria e conhecer todos os arranjos originais”, ressalta.
“Na mesma hora, lembrei do Beto com seus cinco anos se desvencilhando dos seguranças e invadindo o palco do Maracanãzinho com sua guitarrinha de plástico fazendo a coreografia “duck walk” de Chuck Berry”, disse.
Roberto enfatiza que o legado artístico da família não poderia estar em melhores mãos. “Ele é testemunha in loco, ocular e auditiva da criação de várias dessas músicas que fazem parte do repertório. Desde sempre plugado na verdadeira confeitaria musical que era o lar de nossa família, mais tarde nos deu a alegria de fazer parte de nossa banda e saímos mundo afora com o reforço essencial de sua presença”, diz.
“Agora, nos dá o prazer de continuar essa tradição, imprimindo sua marca musical pessoal com a colaboração de músicos queridos que fizeram parte de nossa epopeia. Delegamos ao Beto a condução dessa chama, que espero que não se apague jamais”, afirma.
Vida de rockeiro
Quando os pais se separaram, nos anos 1990, ele era adolescente e foi morar com ela. Segurou várias ondas numa época em que Rita sofreu overdose e uma queda que esfacelou seu maxilar. Precisou colocar pinos de titânio, e os médicos teriam dito que ela jamais voltaria a cantar.
“Foi uma época louca. Meu pais estavam desestabilizados, a família, dividida. E eu, adolescente, lidando com outras questões. Mas no final, o meu relacionamento com a minha mãe se fortificou por conta desse tempo, como filho, parceiro, amigo. Nosso elo ficou mais forte e sou grato por essa experiência”, disse.
Se aqueles tempos serviram para aproximar fisicamente mãe e filho, o papo reto aconteceu desde sempre dentro de casa. Rita e Roberto educaram os três filhos (além de Beto, há João e Antonio) na base do diálogo franco.
Como conta Beto, “nada era tabu”, muito menos sexo, drogas e rock and roll. Pergunto se, por ter uma mãe que foi fundo nas drogas, Beto ficou mais careta.
“O que é ser careta? É não usar nada? Como diz uma amiga, ‘sexo, drogas e rock e roll a molecada aprende na rua, tem que ensinar é interpretar texto'”, brinca.
“Minha mãe sempre teve sangue frio para falar sobre drogas com a gente, dizer: ‘Se você cheirar, acontece isso’. Não que eu tenha caído nessas armadilhas, mas quando se tem informação, conseguimos tomar decisões mais corretas”, conta.
O que Rita também ensinou aos filhos foi “pagar as contas em dia”, embora tenha sido uma mãe bem distante das formalidades.
“‘No bullshit’ era o lema da minha mãe. Ela não era de controlar horário, deixava a gente solto, tanto que jogávamos futebol na sala. Mãe hippie… Era uma rotina em diferente da dos meus amigos. Eles voltavam do estúdio seis da manhã com a gente indo para a escola”, recorda Beto.
Rita também inventada histórias mirabolantes para os filhos dormirem. Mas quem disse que eles pegavam no sono? Ficam vidrados nas loucuras que ela imaginava.
Havia também os jantares em família, regados a papos-cabeça sobre religião, camisinha e política. Roberto, “reservado e discreto”, é definido pelo filho como “o pilar” da casa. Beto destaca ainda o fato de o pai nunca ter disputado espaço com Rita.
“Meu pai educou três homens para respeitar as mulheres. Sempre deixou minha mãe voar. É um casal que caminhou lado a lado e foi firme nesse objetivo de criar família e fazer música, mesmo com todos os pormenores”, contou.
Nesse contexto, havia pormenores bem tradicionais. Como na vez que os três moleques testaram tanto a paciência dos pais saindo na mão dentro de um carro durante viagem pelos Estados Unidos que acabaram expulsos do veículo.
“Eles pararam no acostamento e disseram: “Desçam”. Engataram a primeira e foram embora. Ficamos no meio da estrada. Estiquei o dedão para pegar carona. Parou um casal, olhou para aquelas três crianças e perguntou: “O que estão fazendo aqui?”. Respondi: “A gente está meio perdido”. Mas pensava: “F*deu, a gente foi abandonado”. Quando meus pais viram que parou um carro, voltaram, e o casal ficou sem entender nada”, disse.
Agora só falta você
Seguir o caminho da música foi natural para o filho mais velho de Rita e Roberto. Único dos três a se tornar instrumentista, ele começou a tocar guitarra aos 10 anos. Aos 15, montou sua primeira banda, Larika.
A partir de 1995, passou a integrar a banda da mãe. Cresceu em meio ao ambiente de estúdio, aprendeu demais observando a dinâmica de trabalho dos pais e vendo nascer canções como “Brasil com S” e “Dias melhores virão”.
“Eles sempre fizeram música em casa, tocavam na sala. Isso fica embutido na gente. Minha mãe andava com caderninho e caneta no bolso e meu pai chegava com ideias. Estavam sempre tocando, até hoje, mesmo aposentados nunca deixaram de criar”, lembra.
“Agora, meu pai agora comprou um violão de nylon e está tocando bossa nova”, afirmou. Beto gravou rês discos e também cobriu festivais como apresentador do canal Multishow. Em 2016, entrou para os Titãs, após a saída de Paulo Miklos.
“Não substituí Paulo Miklos, ele é insubstituível. Estou ali como fiel escudeiro. Agora, vamos gravar um disco de inéditas para comemorar 40 anos de estrada. É o terceiro disco que gravo com eles”, enumera Beto, revelando que há uma parceria inédita de Rita e Roberto no novo álbum dos Titãs.
E será que Rita vai aparecer no show do filho? “De dona Rita a gente pode esperar qualquer surpresa”, encerra Beto.