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‘A Voz Delas’: Movimento atua em melhorias na rotina de caminhoneiras

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A caminhoneira Gisely de Cássia da Cruz
Instagram/@giselybeirigo

A caminhoneira Gisely de Cássia da Cruz

A mulher enfrenta uma série de dificuldades no mercado de trabalho onde, por muitas vezes, independentemente do setor, precisa reafirmar suas capacidades e habilidades para desempenhar determinadas funções, principalmente em ocupações que culturalmente são associadas à figura masculina.

Mulheres que desafiam estes conceitos estão mais sujeitas ao preconceito, misoginia, machismo, ao assédio e, por estes motivos, são minorias nas profissões ditas masculinas. Este é o caso da profissão de caminhoneira, um setor ocupado predominantemente por homens.

Uma estimativa da Confederação Nacional do Transporte (CNT), do ano passado, indica que apenas 0,5% do total dos trabalhadores caminhoneiros no Brasil são mulheres, dado que exemplifica o quanto é difícil para a mulher se manter em postos de trabalho como este.

Iniciativas da sociedade civil são sempre bem-vindas para o combate ao machismo e pela busca de igualdade de gênero em diversos setores. Um exemplo é o movimento A Voz Delas , que busca melhorar as condições nas estradas para as caminhoneiras e as ‘cristais’ – apelido para as esposas ou companheiras de caminhoneiros que os acompanham durante as viagens.


O movimento, que teve início em 2019, foi criado pela gerente de marketing da Mercedes-benz do Brasil, Ebru Semizer. A executiva explica que a maior motivação para a iniciativa foram as “vozes da estrada”.

“Estávamos recebendo muitas críticas sobre as condições das estradas para as mulheres. Falta muita infraestrutura, às vezes falta condição básica de um banheiro limpo para usar durante os longos trajetos, falta banheiro feminino. Os embarcadores e os lugares que recebem os materiais não têm um local específico para que as mulheres que viajam com seus maridos possam esperar, por exemplo”, afirma a diretora.

Visando romper com essess pontos negativos, Ebru Semizer explica que a primeira ação que o movimento realizou, ainda no primeiro ano de existência, foi a reforma de um banheiro, que virou modelo para outros.

“A primeira ação que realizamos foi a reforma de um banheiro no estado do Goiás, em uma área que tinha bastante movimento. A ideia foi construir um exemplo de como deve ser um banheiro de um posto de caminhoneiro que atenda tantos aos homens quanto às mulheres. Fizemos uma lavanderia também. Depois da reforma, o fluxo do lugar aumentou 10%, ou seja, além de melhorar a infraestrutura trouxe retorno para o dono do posto”, conta.

A executiva explica ainda que além das ações na vida real, o movimento também se organiza virtualmente. Foi criada uma plataforma online onde caminhoneiras, ou esposas de caminhoneiros, podem buscar informações sobre o A Voz Delas, além de dicas importantes para o rotina na estrada.

“Criamos também uma plataforma para o movimento onde divulgamos várias informações para as mulheres que estão nas estradas. Damos dicas sobre diversos assuntos como saúde mental, saúde física, direção, entre outros. Tem um espaço também onde as mulheres podem fazer sugestões de melhorias nas estradas, por exemplo. Também tem uma área onde divulgamos vagas de empregos exclusivas para mulheres”, conta.

O sonho de ser caminhoneira

Outra iniciativa importante do movimento foi a campanha Na Direção dos Seus Sonhos , que capacitou 30 mulheres para a direção de caminhões, além de proporcionar o acesso à carteira de habilitação específica para a categoria.

“Em 2021 realizamos a ação Na Direção dos Seus Sonhos, onde ajudamos 30 mulheres a tirarem a carteira de habilitação para caminhão, de categoria D – específica para a função. Fizemos também uma parceria com Fundação Adolpho Bósio de Educação no Transporte (Fabet) para capacitar essas mulheres. Hoje elas já estão aptas para manusear os veículos e muitas delas já estão empregadas como caminhoneiras profissionais”, comemora a diretora Ebru Semizer.

YouTube video

Uma das contemplatadas com a campanha foi a caminhoneira Gisely de Cássia da Cruz, 39. A condutora teve uma experiência de quase morte, antes de decidir seguir seu sonho de cair na estrada.

“Eu trabalhei como costureira, depois tive uma barbearia, mas fiquei doente. Eu tive uma dengue hemorrágica e entrei em coma. Quando me recuperei, pensei: ‘Eu não fiz nada da minha vida até agora, eu só trabalhei’. Eu sou divorciada há onze anos e tenho três filhos, me separei quando eles eram muito pequenininhos, então eu tive que trabalhar muito para criá-los”, conta Gisely.

A caminhoneira explica que após a cura, não pensou duas vezes e decidiu realizar um sonho antigo: o de viajar. Contudo, ela precisava ainda trabalhar para sustentar os três filhos. Foi daí que a ideia de trabalhar com transporte surgiu.

“Depois de curada, eu fui procurar algo que eu pudesse fazer que eu conseguisse viajar, que eu conseguisse me realizar, mas que também conseguisse criar meus filhos. Foi quando surgiu essa questão do caminhão. Eu fiz uma viagem para São Paulo em um Mercedes e me apaixonei, foi amor à primeira vista. Eu queria estar na estrada, mas conduzindo. Comecei a viver esse mundo e fui trabalhar no setor de transportes”, relata.

Antes de se tornar caminhoneira profissional, Gisely fez de tudo um pouco na área de transporte: “Eu fazia toda logística, cuidava da carga, parte financeira, manutenção de pneu, abastecimento, e até dirigia às vezes, mas não podia pegar a estrada porque não tinha habilitação”, diz. Este problema foi resolvido quando ela conheceu o movimento A Voz Delas e pôde participar da campanha Na Direção dos Seus Sonhos.


Machismo na estrada

Gisely conta que a família é super apoiadora de sua escolha e que seus filhos “têm muito orgulho” dela. Contudo, mesmo com o apoio da família, a caminhoneira não está livre de críticas.

Ela relata que a experiência de ser mulher e trabalhar dirigindo um caminhão Brasil adentro, e também em países da América Latina, pode ser muito machista e cheia de dificuldades: “Preconceito com a mulher existe ainda ao extremo, infelizmente”.

A caminhoneira conta que já passou por muitas experiências machistas que questionavam sua capacidade de exercer a função.

“Você chega num lugar, vai fazer uma manobra ou estacionar, por exemplo, aí vem três ou quatro pessoas para te ajudar. Isso não acontece com um homem”, diz. A caminhoneira completa contando um experiência negativa ligada a uma manobra: “Já aconteceu uma vez, inclusive, de eu ser impedida de fazer uma manobra por ser mulher. ‘Você vai estragar meu aviário’, eu ouvi. Desci do caminhão muito chateada. Fiquei extremamente envergonhada e com raiva”, conta.

Gisely afirma que também já ouviu frases como ‘Você tem certeza que é caminhoneira?’, relacionadas à forma como ela estava vestida. “No Rio Grande do Sul, uma vez, uma pessoa virou para mim e falou: ‘Pra você vim trabalhar, vai ter que tirar a maquiagem e prender o cabelo’. A gente precisa se masculinizar porque senão não é respeitada”, aponta.

Outra situação que marcou a caminhoneira está ligada aos banheiros disponíveis nos postos, que nem sempre estão adequados para um uso higiênico: “Já aconteceu de eu parar em um lugar e não tomar banho porque não tive coragem de descer do caminhão por causa do ambiente”.

Mesmo com todas as dificuldades, a caminhoneira não pensa em largar a profissão e, inclusive, faz sucesso nas redes sociais mostrando a rotina da profissão. No Instagram ela já conta com mais de 55 mil seguidores.

“Meu Instagram começou a bombar. Tenho seguidores que eram meus ídolos, que eu admirava ao extremo e que hoje conversam comigo pelo direct, trocando experiências. É algo mágico para mim”, finaliza.

Caminhão Estrela Delas

A gerente de marketing da Mercedes-benz do Brasil, Ebru Semizer, conta que neste ano, o movimento A Voz Delas está focado em lançar um caminhão específico para as caminhoneiras. O veículo já tem até um nome escolhido por voto popular: Estrela Delas.

“Neste ano criamos um caminhão feito por mulheres e para mulheres, lançamos a primeira versão em março. Depois a gente fez uma pesquisa, que ficou no ar cerca de dois meses, questionando o que as mulheres queriam que tivesse dentro do caminhão”, conta.

No momento, o caminhão passa por adaptação a partir das sugestões feitas pelas mulheres na enquente: “Estamos na fase de customizar esse veículo a partir das sugestões vindas da pesquisa. Uma das solicitações mais pedidas foi a instalação de um banheiro e itens de beleza como secadores”, finaliza a diretora.

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Fonte: IG Mulher

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