Candomblecista, Anitta é uma Ekedi; saiba o que é isso e sua função na religião
Na última semana, um portal online apontou que uma cantora famosa teria raspado a cabeça há dois meses motivada por uma religião . Os boatos foram ligados à cantora Anitta , que candomblecista . A assessoria negou os rumores, mas afirmou que a cantora é uma Ekedi em sua religião.
“A cantora, praticante do Candomblé, é uma ‘Ekedi’ em sua religião. As Ekedis são suspensas para a iniciação, não precisando raspar a cabeça em sua preparação para servir aos Orixás”, afirmou a assessoria de Anitta. Muitos internautas, contudo, ficaram confusos porque não sabiam o significado de Ekedi.
Ainda na nota da assessoria de imprensa, foi afirmado que Anitta “repudia qualquer tipo de intolerância religiosa” e que as especulações “retratam um Brasil ainda repleto de discriminação e preconceito religioso”. Isso porque o candomblé é repleto de estereótipos ligados ao racismo e constantemente a religião é perseguida por ele.
“As pessoas não sabem nada sobre nós e nem querem saber. Elas só querem nos subalternizar e nos satanizar, inclusive para poder continuar ocupando seus lugares de poder hegemônico e de privilégio”, diz o professor Sidnei Nogueira, Bàbálòrìṣà da Comunidade da Compreensão e da Restauração Ilè Asè Sangó (CCRIAS), que escreveu o livro ‘Intolerância Religiosa’ da Coleção Feminismos Plurais.
Para entender quem é a Ekedi e o que sua figura representa para o candomblé, o iG Delas conversou com Nogueira e com Sônia Doin, que é Makota (o nome de Ekedi na vertente de Nação Bantu, da Angola) Kenzalejy, da casa Unzó kiloatala.
Quem é a Ekedi e qual a sua função?
Para entender qual a função da Ekedi em um terreiro e para a sociedade, Nogueira considera importante entender que o candomblé é uma estrutura cultural e religiosa de origem africana que se organiza por meio de postos hierárquicos. Essa estrutura é organizada como uma família africana, onde cada pessoa é definida a partir da escolha dos orixás.
“Elas são ‘o braço direito’ do pai ou mãe de santo e aprendem os fundamentos para o funcionamento das liturgias, da administração e do funcionamento da Casa, além das funções sagradas”, conta Sônia. Nogueira acrescenta que elas são a segunda mãe depois da mãe de santo.
Além de zelar pela casa, elas são ainda coorientadoras e coguardiãs dos saberes ancestrais africanos. “Elas zelam pelas yabás, pelos quartos e objetos sagrados, cuidam das roupas e do corpo em transe tomado pelos orixás no momento da dança”, afirma o professor. Essas mulheres não recebem a manifestação dos orixás e são chamadas de “a mulher que nunca dorme”.
Como uma Ekedi é escolhida?
Nogueira explica que a Ekedi é escolhida por uma ancestralidade, durante uma festa pública aos orixás ou em rituais internos. “Dizemos, inclusive, que elas são apontadas”, explica.
“Existe o primeiro momento em que elas são suspensas e ela já começa a trilhar o caminho da aprendizagem para ser essa guia ancestral ao lado das lideranças da comunidade tradicional do terreiro. Depois vem a confirmação por meio dos oráculos divinatórios, o ori e o orobô [frutos usados nos rituais] ou diretamente no jogo de búzios, que apontam a escolha ancestral”, detalha o professor.
Sônia ressalta ainda que o rito de confirmação apresenta um toque sagrado dos atabaques, em que consegue-se apontar as mulheres que não recebem a manifestação dos orixás.
Depois ocorre a iniciação, a que Nogueira se refere como “um conjunto sofisticado de rituais para a cura da dor de corpo, mente, saúde integral” e ainda para “a negação do colonialismo, do adoecimento, das dores e doenças emocionais e espirituais”. As iniciações são secretas e não podem ter elementos revelados.
O símbolo da Ekedi vai além do terreiro
Nogueira afirma que a importância da Ekedi vai além do terreiro, mas torna-a uma autoridade civilizatória. Por esse motivo, o comprometimento dela deve ser total.
“Ela pode seguir sua vida, seguir sua carreira, ter sua independência. Mas ela tem o privilégio de ser escolhida de uma forma ancestral poderosa, por uma história do continente africano como verso do mundo, uma história ressignificada no Brasil a partir dos povos e comunidades tradicionais de terreiro”, explica Nogueira.