Crianças podem ser veganas?
Cada vez mais conscientes do consumo exacerbado e da realidade da indústria de produção, alguns pequenos humanos têm optado por excluírem do cardápio alimentos como carnes, ovos e leite. Dessa forma, essas crianças passam a seguir as chamadas dietas vegetarianas ou veganas .
De acordo com a Sociedade Vegetariana Brasileira, o vegetarianismo é a exclusão dos produtos de origem animal, como carne, frango e peixe, da mesa. Já o veganismo, segundo a Associação Brasileira de Veganismo, é um estilo de vida que visa a não exploração dos animais e, portanto, em termos de dieta, exclui tanto os alimentos de origem animal quanto derivados.
Laura Mocellin Teixeira , médica nutróloga, observa que a necessidade pela carne e outros alimentos derivados de animais é, acima de tudo, cultural. “Ao estudarmos o que uma alimentação precisa para ser saudável pode-se perceber que vegetais fornecem todos os nutrientes necessários, associados a benefícios para a saúde e redução de fatores de riscos para desenvolvimento de doenças comuns como as cardiovasculares, por exemplo”, ela argumenta.
Assim, a nutróloga lembra que uma criança vegana não necessita de acompanhamento médico diferenciado pelo simples fato de ser vegana: “apenas precisa do suporte de um profissional capacitado para atendê-la, respeitando seu padrão alimentar e auxiliando os pais a fornecerem uma alimentação equilibrada”. A médica afirma ainda que tal cenário seria o ideal para qualquer criança, uma vez que os maus hábitos alimentares são uma das principais causas de doenças.
Suplementação
De acordo com Aline Magnino, pediatra do Grupo Pronto Baby, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda a suplementação com ferro para todas as crianças com até 2 anos de idade, independentemente da alimentação . Laura complementa ainda dizendo que a SBP também propõe suplementar a vitamina D “para todas as crianças a partir da primeira semana de vida até completar 1 ano com 400 UI de vitamina D por dia, e, após essa idade, até os 2 anos com 600UI/dia, além da exposição solar regular”. Logo, o que muda para uma criança vegana é que, após o período de lactação, existe a possibilidade de ser necessário suplementar a vitamina B12 – essencial para o funcionamento do organismo uma vez que atua no Sistema Nervoso Central do corpo.
Diante disso, vale pontuar que, apesar das deficiências de ferro, vitamina B12, cálcio e zinco serem majoritariamente associadas ao vegetarianismo e veganismo – já que esses nutrientes são mais presentes na carne, frango e peixe -, excluir produtos de origem animal da dieta não é sinônimo de defasagem nutricional. Isso porque, como Laura argumenta, tais deficiências podem ocorrer mesmo em pessoas onívoras. “O que falta, de verdade, é mais informação sobre o assunto, pois qualquer pessoa que não praticar uma alimentação saudável está suscetível a carências nutricionais”, ela complementa.
Entendendo as deficiências de nutrientes
“A deficiência do ferro pode ocasionar anemia, alterações do desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento do sistema imunológico e diminuição da capacidade ativa”, diz Aline. No entanto, Laura observa que tal escassez “é a mais comum no mundo inteiro, atingindo aproximadamente 1/3 da população mundial e 43%das crianças, independente do padrão alimentar”. Desse modo, vegano ou não, é preciso estar atento à dieta.
As médicas explicam que o ferro de origem vegetal possui, sim, uma taxa de absorção menor do que o de origem animal. Com isso, são necessários alguns truques para aumentar a absorvência do mineral: Aline comenta que vale deixar o feijão de molho por cerca de 12 horas para diminuir, assim, os fitatos, muito presentes nas dietas veganas e que atrapalham a disponibilidade do ferro; por sua vez, Laura também indica a adição de alimentos ricos em vitamina C às refeições, pois, além de potencializarem a absorção do nutriente, ajudam a prevenir deficiências
Laura esclarece que a Vitamina B12 é produzida por bactérias que vivem no solo, ficando, assim, na superfície dos alimentos, na água de rios e na grama. Entretanto, ela se perde ao longo dos processos de esterilização, lavagem e uso de agrotóxicos, por exemplo.
Assim, o que acontece é que animais de corte recebem ração com fortificação de vitamina B12 e, portanto, são considerados fontes alimentares da mesma. “Porém, a deficiência atinge 40% dos onívoros, contra 50% dos vegetarianos, ou seja, é uma diferença pequena, e, na prática, a grande maioria das pessoas precisa, sim, de suplementação dessa vitamina hoje em dia”, explica Laura.
Já o cálcio figura a lista dos minerais mais deficientes na alimentação mundial – a última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) , do IBGE apontou o mineral como o menos consumido pelos brasileiros, inclusive. Assim, Laura observa que para evitar a deficiência de cálcio no organismo não é necessário somente consumí-lo, mas sim absorvê-lo de forma adequada. “Fontes ricas em cálcio de boa absorção são: o gergelim, o tahine, as folhas verde escuras da família da couve, as leguminosas, as amêndoas, e os alimentos fortificados como os leites vegetais”, indica a profissional.
Outro mineral temido, quando falamos sobre a exclusão dos alimentos de origem animal, é o zinco, já que é muito associado à carne vermelha e aos ovos. Entretanto, esse mineral é muito presente em leguminosas, cereais, castanhas e sementes Dessa forma, pode ser facilmente encontrado em alimentos como feijão, lentilha, ervilha, grão de bico, arroz e aveia.
“Não é um bicho de sete cabeças”
Se você não segue o vegetarianismo ou veganismo, mas seu filho optou por tirar os alimentos de origem animal do prato, não se desespere. Aline afirma que o veganismo não deve ser desencorajado. Afinal, a pediatra lembra que ele traz benefícios, como menor ingestão calórica e de gorduras saturadas, e maior consumo de vegetais, fibras e frutas.
Inclusive, Aline observa que, segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, a Associação Dietética Americana (ADA) e a SociedadeCanadense de Pediatria (SCP), quando bem orientada, e, se necessário, sumplementada, uma dieta sem produtos de origem animal é, sim, capaz de promover o crescimento adequado a todas as crianças e adolescentes.
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A gestora de canais Bruna Marihá Martins é vegana e mãe da pequena Marihá, de 4 anos, que hoje segue uma dieta vegetariana por escolha própria – eventualmente, na rua, Marihá acaba consumindo derivados. Bruna faz questão de ressaltar a importância do diálogo sincero: “eu vejo que a grande questão é que a maioria das pessoas infantiliza e acaba escondendo que aquilo é um animal, mesmo se a criança pergunta. Aqui a gente simplesmente diz a verdade e ela opta por não comer”.
Bruna comenta que o fato de, em casa, estudarem bastante sobre o veganismo facilita as coisas, já que, assim, muita informação nova é descoberta. “A variedade aqui em casa é muito grande. A gente tem uma alimentação bastante balanceada”, ela completa. Portanto, a gestora de canais deixa claro que o veganismo é o contrário do que muitas pessoas acham. “A partir do momento em que você é vegetariano ou vegano e entende todas as questões, não só da crueldade animal, mas de saúde, você entende que, ao tirar isso [carne], não precisa nem substituir. A gente sabe que existe a necessidade de suplementação, mas não é esse bicho de sete cabeças”, completa.
No caso da microempresária de terapias holísticas Estela Pop Veneziane, vegana há 20 anos, apenas a caçula, Ana, de 4 anos, segue o veganismo. De acordo com Estela, a mais velha, Vitória, de 16 anos, está começando a se aprofundar nesse estilo de vida agora. De qualquer forma, Estela argumenta que tudo é um processo e que “fazer algo sem compreender o porquê não tem o menor sentido”. Com isso, ela ressalta a importância de sempre conversar com as meninas sobre o assunto, além de respeitar as vontades delas: “não é uma coisa [comer carne] que eu simplesmente proíbo”.
Como ter uma alimentação rica e saudável?
De acordo com Laura, primeiramente, é importante “lembrar que nos primeiros 6 meses de vida a criança não possui necessidade de absolutamente nenhum alimento a não ser o leite materno”. Já em casos nos quais a amamentação não é possível, a médica pontua que existem fórmulas nutricionalmente adequadas de origem vegetal, mas que isso deve ser discutido com o pediatra em acompanhamento.
Já durante a introdução alimentar, ela ressalta que “o que importa é oferecer boa variedade de nutrientes e calorias necessárias para o desenvolvimento da criança, portanto é indicado utilizar alimentos integrais, sem processamento ou diluição”. Em outras palavras, evitar sucos de frutas ou leites vegetais diluídos e preferir sempre as frutas in natura, além das castanhas. “Já que o enchimento gástrico da criança é mais rápido e refeições volumosas e pouco calóricas podem saciar sem fornecer calorias suficientes”, ela complementa.
Em relação às refeições principais, elas devem ser compostas pelos três principais grupos: cereais (arroz, aveia, quinoa, trigo, milho), leguminosas (feijão, lentilha, ervilha, grão de bico, soja) e hortaliças (verduras e legumes). Sempre em proporções iguais e cada um compondo 1/3 do prato, Laura afirma. A médica ainda recomenda adicionar 1 colher de sobremesa de óleo de linhaça por cima da comida a fim de obter boas quantidades de ômega 3 ao longo do dia – gordura que, apesar de não ser produzida pelo corpo humano, é importante para o desenvolvimento.
Vale ainda introduzir uma fruta cítrica como sobremesa para potencializar a absorção do ferro alimentar. Os lanches ao longo do dia podem ser compostos por frutas, cereais e castanhas, sempre respeitando a saciedade e o paladar da criança, e, claro, avaliando o crescimento e desenvolvimento com auxílio de um profissional.
Laura também enfatiza que os alimentos devem ser variados ao longo do dia para que seja possível proporcionar uma maior gama de nutrientes, antioxidantes e, ainda, ampliar o paladar dos pequenos. “Também é muito importante mencionar que crianças não sentem falta de sabores hiperpalatáveis, contidos em alimentos ultraprocessados, e que esses podem estimulá-las a se desconectarem do paladar natural e reduzirem a sensação de prazer ao consumir alimentos naturais”, ela lembra.
A médica ainda finaliza dizendo que “tão importante quanto o que se dá para a criança comer, é o que os pais oferecem como exemplo em casa. Unificar as refeições e aumentar o consumo familiar de alimentos mais íntegros auxilia a criança a criar memórias positivas relacionadas a esses alimentos e conseguir manter melhores hábitos alimentares ao longo da vida.
Fontes: Laura Mocellin Teixeira , médica nutróloga; Aline Magnino, médica pediatra do Grupo ProntoBaby ; Bruna Marihá Martins; e Estela Pop Veneziane.