Cyberbullying: como proteger quem sofre ataques de ódio nas redes sociais?
Na noite da última terça-feira (3), Lucas Santos, 16, filho da cantora de forró Walkyria Santos, foi encontrado morto em seu quarto, em Fortaleza, após receber comentários homofóbicos em um de seus vídeos no Tik Tok. De acordo com comunicado feito pela cantora em vídeo , Luan estava fazendo acompanhamento psicológico após indícios de que estaria sofrendo de depressão. O episódio reabriu o debate sobre cyberbullying e chama atenção para ataques anônimos na internet.
O psiquiatra Wimer Bottura Junior, especializado em atendimento infantil, explica que o ambiente digital promove uma grande diversidade de espaços e utilidades, algumas boas e outras ruins. “Na internet conseguimos encontrar mensagens de fé, esperança e informação, mas também ódio e vingança. Isso permite que a gente procure o que quer de bom ou fugir do que é ruim”, diz.
Esse contexto, somado à possibilidade de anonimato, faz com que ataques e discursos de ódio se tornem mais propensos a acontecer no mundo digital. Segundo o advogado Luiz Augusto D’Urso, que também é presidente da Comissão Nacional de Cibercrimes da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas, isso faz com que esse ambiente se torne cada vez mais tóxico e nocivo.
“Não é incomum que haters publiquem comentários de ódio e estimulem ataques. O usuário que recebe as críticas realmente deve ter uma maturidade muito grande para lidar com ofensas e ataques”, afirma o especialista.
Os ataques, seja em caixas de comentário no Instagram ou uma resposta recebida no Twitter, têm deixado grandes impactos psicológicos em pessoas de diversas faixas etárias. No entanto, o psiquiatra diz que a culpa não está nas plataformas em si, mas nas escolhas de cada internauta na hora de usar a internet.
“Se você estiver passeando na rua e um carro te atropelar, quem ataca não faz por querer. No caso da internet, machucar é uma escolha das pessoas. Há uma tendência de se eximir da culpa e responsabilizar outra coisa”, explica Junior. “Nós não podemos jogar a responsabilidade onde não se tem condição de solucionar. Não conseguimos calar uma rede social, mas podemos ajudar as pessoas a saírem delas ou escolherem onde entrar”, acrescenta.
Apesar da responsabilidade do ataque ser das pessoas por trás da tela, D’Urso afirma que as redes sociais precisam estreitar suas políticas de segurança para garantir que os espaços digitais sejam mais saudáveis. “É preciso uma reação urgente no sentido de regulamentar os limites das redes sociais”.
Como agir no caso de crianças e adolescentes?
Em casos de cyberbullying que envolve crianças e adolescentes, D’Urso ressalta a importância de monitoramento por parte de pais e responsáveis para entender quando aquele indivíduo está em contato com mensagens negativas.
“Os pais devem levar em consideração que, ao autorizarem o uso da internet das redes sociais pelos seus filhos, eles podem estar sujeitos a esse tipo de ataque e também acesso a conteúdos violentos, indesejados ou não saudáveis”, diz o advogado.
Você viu?
Um sinal para ficar de olho é no caso da criança demonstrar compulsão pelo uso da internet. “É como se fosse uma vontade ou um vídeo de toda hora estar envolvido com aquilo”, explica Junior. No caso de pessoas que podem estar cometendo os ataques, isso também se manifesta. “No bullying em um prédio ou na escola, por exemplo, as pessoas estão ali esperando para cometê-lo. No caso do cyberbullying, o indivíduo que vai atrás da vítima”, diz o psiquiatra.
Seja para evitar ataques ou até que os próprios filhos se tornem autores de comentários de ódio, o advogado afirma que é importante que os pais conversem e eduquem sobre responsabilidades e a conduta hostil nas redes sociais. “Ao notarem que a criança está sofrendo ataques, deve-se conversar imediatamente e, dependendo do caso, iniciar um acompanhamento psicológico.”
Junior concorda e ressalta a importância de se entender o motivo pelo qual as crianças estão tão envolvidas com os aparelhos celulares além dos próprios interesses dela. “Ouvir o que a pessoa pensa é fundamental para ajudar no sentido de mudanças. Não adianta proibir ou castigar, mas o interesse: faça perguntas, converse, discuta e troque ideias para que aquela pessoa saiba o que é diversidade de opiniões”, explica o psiquiatra.
Como dar suporte para pessoas atacadas na internet?
Apesar das palavras serem proferidas na internet, D’Urso explica que o dano do cyberbullying é similar a um ataque feito pessoalmente. As ofensas podem ocasionar impactos significativos na saúde mental e em relações sociais. Em casos mais graves, os ataques podem levar ao suicídio. “Infelizmente, o suicídio é comum em jovens atacados ou até entre os que foram ‘cancelados’ na internet”, diz.
Junior explica que se crie uma rede de apoio ao identificar sinais de falta de interesse, desânimo ou de frases que podem ter relação com acabar com a própria vida. “Resgate o sentido da vida para aquela pessoa, vínculos afetivos, relações amorosas e desafios. Isso também se faz com escuta sem julgamentos e validação pelo que aquela pessoa é”, afirma o médico.
O psiquiatra afirma ainda que é importante demonstrar interesse tanto nos assuntos que aquela pessoa gosta, como nos momentos em que ela relata angústias que podem ser causadas até mesmo pelos ataques. “Diga para a criança que ela é inteligente, que ela importa. Assim, cria-se resiliência e bons vínculos. O controle não impede que o pior aconteça.”
Buscar apoio psicológico é outro passo a ser considerado, tanto para a vítima como para a família. Em casos de pessoas que estão lidando com pensamentos suicidas ou que querem amparar um ente querido, Junior indica ligar para o Centro de Valorização da Vida (CVV), cujo telefone é 188. “São pessoas que ouvem, conversam e encaminham a pessoa para tratamentos necessários, além de dar apoio e mostrar como o tratamento desses sofrimentos é importante.”
Comentários podem ser denunciados
Devido às sanções de leis que dizem respeito à proteção aos crimes cibernéticos, é possível denunciar autores de comentários de ódio nas redes sociais. As ofensas podem se enquadrar tanto nas leis específicas de crime cibernético como nas de difamação. Em casos de racismo ou de homofobia, há respaldo pela Lei nº7.716/1989, com punição prevista de até cinco anos de prisão.
No caso de difamação, a pena pode ser triplicada e pode variar de três meses a um ano, de acordo com o artigo 139 do Código Penal. “O Legislativo tem se preocupado com situações como essa e maximizou essas penas, considerando o crime como grave”, diz.
Para realizar a denúncia, D’Urso afirma que é importante que a vítima tenha como comprovar os ataques. Nesse momento, capturas de tela do comentário e do perfil do agressor são importantes. “A prova na internet pode ser facilmente apagada. O print deve ser feito imediatamente e deve ser levado a um especialista que possa preservar esses comentários de forma mais robusta”, afirma.
Com os registros realizados corretamente, é possível realizar a quebra dos registros de IP (ou seja, o endereço do dispositivo de onde veio aquele comentário) e, assim, localizar e identificar o autor do crime. D’Urso diz que autores adultos ou mesmo menores de idade podem ser responsabilizados.
“Se o autor for um adolescente, ele pode responder pela situação nos ditames do Estatuto da Criança e do Adolescente e os pais podem ser responsáveis pela indenização em razão dos ataques”, explica.