“Meu marido é apaixonado por mim desde os 7 anos de idade”
“Eu e o Sérgio, meu marido, nos conhecemos desde que a gente se entende por gente. O que acontece: nossas famílias eram vizinhas em um bairro do subúrbio do Rio de Janeiro e se tornaram amigas. Só para ter uma noção de parentesco, os avós do Sérgio foram padrinhos de casamento dos meus pais. Para namorar a minha mãe, meu pai tinha que levar junto a tia do Sérgio, que era pequena, senão meus avós não deixavam minha mãe namorar. Um tomava conta do filho do outro. Até a minha mãe e a dele foram criadas juntas. As nossas mães eram irmãs de criação, por isso a gente se considerava primos.
Eu não consigo nem me lembrar da reação que tive quando vi o Sérgio pela primeira vez, porque ele sempre esteve próximo a minha vida inteira. Até que quando éramos crianças — eu tinha 10 anos e o Sérgio, 7 — eu viajava muito com os pais dele. Na época, o pai dele era funcionário da prefeitura aqui no Rio e tinha uma colônia de férias, que hoje é sede de treinamento do vôlei brasileiro.
Nessa colônia de férias foi onde tudo aconteceu. A gente brincava muito juntos, e naquela época brincadeira de criança era debaixo da piscina, de querer se olhar. E aí o Sérgio vinha para me beijar. Eu falava pra ele: ‘Não, não podemos! Nós somos primos”. Ele sempre foi apaixonado por mim.
Nós temos essa diferença de idade de três anos. Quando se é criança, até mesmo adolescente, isso tem um peso que só se desfaz mesmo quando a gente chega na fase adulta. Naquela época, eu via o Sérgio primeiro como meu primo, segundo como criança. Eu olhava ele e achava um menininho bobo, uma criancinha. Aconteceu várias vezes dele dizer que era apaixonado, dele querer me beijar e eu sempre falava não.
Me recordo agora também de outro fato interessante. Disso eu realmente não me lembro, isso são coisas que a mãe dele me conta. Eu fui a dama de honra do casamento da tia dele. No casamento, a tia Glória só colocou damas, então era eu e outra menininha. O vestido era aquele branco, compridinho, parecido com o da noiva. Então diziam para a mãe dele que eu ia casar e que ele tinha que casar comigo.
Na hora de entrar na igreja para levar as alianças, ele chorava porque dizia que tinha que entrar comigo, que tinha que casar comigo. Ele tinha quatro anos e eu sete, para você ver que esse amor é desde sempre.
No período da adolescência, a gente teve um distanciamento natural. Nós morávamos um pouco distante, ele foi estudar em um colégio, eu fui estudar em outro. Com essa diferença de idade, tivemos amizades com pessoas mais novas.
Nessa época, eu tinha um namorado. O Sérgio, não. Eu fui a única namorada do Sérgio. Ele teve outros outros relacionamentos, mas nada sério. De levar em casa e de dizer que estava namorando, eu fui a única. Eu não. Eu tive um namorado sério que os meus pais conheciam. Esse namorado, inclusive, tinha muitos ciúmes do Sérgio. Muito, muito, muito, muito!
Teve um aniversário do Sérgio e eu fui com esse meu namorado. E aí teve uma briga entre eu e ele porque ele vivia dizendo: ‘Esse seu primo é muito estranho, esse seu primo te olha de uma maneira muito estranha’. E eu falava pra ele: ‘Para de ser bobo, ele é uma criança, não tem nada a ver. Jamais vou olhar pra ele desse jeito’.
A gente só veio a se reencontrar mesmo quando essa tia que eu fui madrinha de casamento adoeceu. Aí a gente ficou naquela de ir visitar lá no hospital e começamos a nos encontrar com frequência. Até que um dia, depois do horário de visita, nós saímos para dar um passeio. Foi quando eu comecei a ver o Sérgio com outros olhos.
Eu estava triste e chateada porque o outro relacionamento tinha acabado. Durou quatro anos. Aí eu comecei a olhar para ele de forma diferente. Ele já não era mais aquele menino bobo, tinha crescido. Ele sempre teve um estilo que eu gostei, de homens que nunca tinham namorado antes. Aquilo nele foi me chamando atenção e ele foi muito cortês, muito gentil, muito carinhoso. Eu só sei que, em frente à praia, a gente acabou se beijando. Dali a gente não se largou nunca mais.
A gente escuta uma música do Jorge Vercilo que tem tudo a ver com a nossa vida quando a gente se reencontrou e de quando a gente ficou pela primeira vez. A música se chama Monalisa e retrata exatamente aquilo que nós vivemos naquele momento:
‘Não se prenda a sentimentos antigos / Tudo que se foi vivido me preparou pra você / Não se ofenda / Com meus amores de antes / Todos tornaram-se ponte pra que eu chegasse a você’
No começo, quando a gente começou a ficar muito juntos e sair toda hora. Era engraçado que a mãe do Sérgio ligava para a minha mãe e falava: ‘E aí, Teresa? É namoro ou amizade?’. A família toda ficou meio esperando para ver o que que ia acontecer.
Eu e o Sérgio resolvemos não contar pra ninguém que a gente tava ficando juntos. Para todo mundo que perguntava ou quando ficavam brincando, a gente não falava nada e dizia que éramos amigos, que estávamos saindo como primos. Mas a gente estava junto, sim. Só que a gente tinha medo de, de repente, não dar certo e as famílias criarem aquela expectativa.
Eles sempre apoiaram, até as nossas avós, que são muito amigas. A amizade da família toda começou por elas. Minha avó tem 101 anos e a do Sérgio tem 98. Até hoje elas falam: ‘Quem diria, né? Adriana e Sérgio juntos formando uma família’. Todo mundo fica encantado com a história.
Você viu?
Então desde o dia que nós saímos para passear na Barra da Tijuca, que andamos pela praia e nós demos o primeiro beijo, a gente seguiu a nossa vida. Não teve um pedido formal de namoro. Oito meses depois o Sérgio me pediu em noivado, no Natal. A gente conseguiu reunir toda a nossa família, ele foi e me pediu. Foi a coisa mais linda.
O casamento só se deu depois de oito anos, porque nesse período a gente ainda estava estudando. Nós fazíamos faculdade e fomos juntando dinheiro para comprar o nosso apartamento. Fomos fazendo nosso enxoval. Quando a gente casou foi só no civil, infelizmente, porque é um sonho nosso fazer uma cerimônia religiosa. A gente ainda não teve condições financeiras para isso, mas, um dia, se Deus quiser, a gente vai ter sim um casamento religioso com tudo que tem direito.
Mesmo no civil, o casamento foi uma realização de um grande sonho também, porque nós nos casamos e tínhamos o nosso apartamento comprado. Nós fizemos uma lua de mel maravilhosa, fomos para Natal. A gente ama o Nordeste. Foi tudo muito bacana.
Depois de quatro anos de casados nós tivemos o Pedro, que hoje tem dez anos. Em seguida veio a Maria, que tem cinco. A gente sempre teve um relacionamento harmonioso, mas logo após o nascimento da Maria a gente se distanciou um pouco como casal. A gente era muito focado na criação das crianças, trabalhava muito. Aí houve uma separação.
O Sérgio ficou um tempo na casa dos pais dele e eu na nossa casa, com as crianças. Foi um período muito difícil, não só pra mim mas também para ele. Mas foi de grande valor porque a gente aprendeu muita coisa. Infelizmente o ser humano só aprende e evolui na dor, não tem jeito.
Analisando tudo que Sérgio e eu vivemos, a gente passou momentos felizes, outros nem tanto, alguns perrengues… Hoje a gente dialoga sobre tudo. Tem pessoas que falam em DR, não gosto desse termo, mas ela é importante.
O afastamento que nós tivemos era porque a gente não conversava. Nós somos dois piscianos com características completamente diferentes. O Sérgio é uma pessoa mais racional, é mais comedido, equilibrado e calmo. Eu sou aquela que é emoção pura, no duzentos e vinte, faço mil coisas ao mesmo tempo. Então existe esse equilíbrio na nossa relação, que é muito importante.
Para aparar as arestas é preciso falar para o outro o que incomoda, se colocar no lugar do outro. Se um não está muito bem, o outro deve acolher ou então esperar aquele momentinho passar para depois conversar. E aí vem a pandemia e nós dois ficamos isolados em um apartamento pequeno com duas crianças. Isso fez a gente crescer ainda mais como pessoas, não só como casal.
A gente conversa sobre tudo, não deixa para depois e vai vivendo da melhor maneira possível. É assim que a gente mantém nosso casamento em harmonia. Vamos seguir para nossas bodas de prata, de ouro, diamante… vamos até o final, bem velhinhos, para todo o sempre.
Fama repentina
Eu sou professora, dou aula de Química e Física na rede particular do Rio. Além de trabalhar em duas escolas, eu tenho muitos alunos particulares, principalmente nesta época do ano, em que estão se preparando para o Enem. Eu estava dando aula para um aluno com o meu notebook aberto. Enquanto isso, pipocavam mensagens no cantinho do meu celular. ‘Prof, você está famosa!’, ‘Uau, arrasou!’.
Aquilo começou a me chamar muita atenção. Eu falei: ‘Gente, o que que tá acontecendo?’. Eu estava doida pra acabar a aula pra poder pegar o meu celular e abrir aquelas mensagens. Eram muitas mensagens através do do Messenger, Facebook, Instagram. Até que me falaram que eu estava famosa no TT, e eu não estava entendendo nada.
Quando acabou a aula eu fui ver o que que estava acontecendo. Chamei uma ex-aluna, que hoje é uma grande amiga, e perguntei primeiro o que era TT, porque eu não sabia nem o que era isso. E ela me disse que era o Twitter. Aí ela falou: ‘Cê não tem noção. Alguém postou lá uma foto sua com o seu marido quando vocês eram crianças e o negócio viralizou’.
No Dia dos Namorados, eu fiz uma homenagem para o Sérgio e aí eu postei aquela foto nossa na infância. Ele tem muita vergonha daquela foto porque ele se acha muito feio nela, só que aquela foto tem um valor sentimental muito grande. Eu acho muito fofa. Eu só tenho Instagram e Facebook e todos os perfis criados pelos meus alunos. Então como minha foto foi parar no Twitter se eu nem tenho um?
Essa aluna foi atrás para mim e falou: ‘Cê tá famosa, cê tem não sei quantos K’. E aí eu até perguntei o que que era um K, porque pensei que fossem risadas. Ela morria de rir e me explicou que K era de mil. Fiquei nervosa, porque a gente é acostumado com o anonimato, não tem muita propriedade em redes sociais e eu vendo tudo aquilo.
Tomou uma proporção imensa. As pessoas vinham até mim e eu estava muito preocupada porque a postagem que eu fiz nas minhas redes sociais era só uma foto da infância, não tinha aquela com os meus filhos. Comecei a ficar com medo por isso. Pedi para ela descobrir quem foi que postou e foi lá que ela descobriu que foi o Renan, um ex-aluno. Ele tinha um codinome e não identificava ele na foto, era um desenho, então eu eu eu não tinha como saber quem era.
Fiquei muito surpresa porque eu dei aula para o Renan há muito anos. Ele foi um aluno que me deu muito trabalho, era rebelde, não queria prestar atenção na aula, era um menino que era desrespeitoso com os professores. Mas eu sempre tive um olhar muito carinhoso para os meus alunos, principalmente para aqueles que dão mais trabalho.
Falava para ele: ‘Renan, não faz isso, faz os trabalhos, vamos lá que eu te ajudo’. E ele negava, tinha problemas de autoestima muito grandes. Eu acolhia o Renan porque eu percebia que faltava esse acolhimento para ele realmente deslanchar, porque ele é inteligente.
Quando descobri que foi ele eu quis entender o motivo, ainda fui querer brigar com ele. ‘Como assim? Você pega uma foto minha, faz uma montagem com meus fillhos e a coisa viraliza’. A justificativa dele me quebrou. Ele falou: ‘Poxa, eu lembro muito de você com carinho. Lembro que você era a única professora que me via com outros olhos, que enxergava potencial em mim, e eu achei linda a sua história’.
Ele falou da questão do preconceito racial. O Sérgio e o Renan são pretos. O Renan lembrou que eu dizia que queria ter um menino bonito que nem ele. Eu não me lembrava disso. Toda aquela coisa de querer brigar com ele passou e fiquei super lisonjeada em ver o quão transformador é o papel do professor. Vai além do conhecimento pedagógico, da Física e da Química. Fiquei muito emocionada.
Essa postagem me trouxe tantas coisas boas, me reconectou com alunos e ex-alunos da época dele, que vieram falando o quanto eu realmente fui maravilhosa na vida, o quanto que eu fiz diferença, o quanto eles lembravam de mim com carinho, até do meu esposo. Até dos meus castigos! Fiquei muito muito lisonjeada e muito feliz com um carinho que deixa o coração bem quentinho.
Os alunos para quem eu dou aula agora estão achando o máximo ter uma professora famosa. Estão fazendo Tik Tok direto, tiram foto comigo. É uma loucura ver pessoas interessadas em saber da nossa história. Estão me procurando até para entrevistas. Em tempos tão difíceis as pessoas precisam saber que o amor existe, sim. Não é utopia, é transformador, faz bem. É isso que move a gente, que move a humanidade e é para o que a gente precisa dar valor.
Eu não me imagino sem o Sérgio na minha vida. Não tem como. Eu tenho certeza que eu fui super assertiva porque ele era um bom filho. Os antigos dizem que quem é bom filho é bom marido e eu sou prova viva de que isso é verdade. É um companheiro, um cara que ajuda muito em todos os sentidos e é o que eu quero pra minha vida.”