Mais de 1,2 mil mulheres preencheram o Teatro Bradesco, em São Paulo, para participar do 1º Congresso da Mulher Brasileira na manhã da última terça-feira (28). O evento reuniu lideranças femininas de diversas frentes do setor econômico. Entre as painelistas do dia estavam a empresária Luiza Trajano, presidente do conselho de administração do Magazine Luiza, que abriu o evento falando de sua trajetória profissional, política e da necessidade de união entre mulheres no mercado de trabalho.
O Congresso foi idealizado pelo Instituto Vasselo Goldoni (IVG), organização que trabalha com incentivo ao protagonismo de mulheres no mercado de trabalho, bem como equidade de gênero e autoestima feminina nos negócios – valores que foram difundidos ao longo de quatro horas de duração do congresso. O evento contou com apoio do Banco Bradesco e de mais de 20 organizações que fomentam a participação de mulheres em diversas áreas econômicas.
“O mercado de trabalho nunca esteve tão aberto para ter mais mulheres em cargos de direitos e CEO. A cada 10 pedidos de diretoria, seis são para que mulheres ocupem o cargo. Nunca pensei que escutaria isso”, conta Trajano à reportagem do iG Delas, posteriormente ao evento.
Trajano discursou por quase 48 minutos e abordou a sororidade, o tema do evento, e a intensificação das mulheres em cargos de diretoria. A empresária também apontou as metas e ações de seu grupo político, o Mulheres do Brasil, que foi fundado em 2013. “Quando começamos o grupo não se falava em empreendedorismo, muito menos empreendedorismo de mulheres. Isso há nove anos, não faz tanto tempo assim. De repente a mulher ficou importante”, afirma.
Trajano atribui essa abertura para uma mudança no modelo de gestão que, para ela, passou de um esquema mecânico para orgânico. “Todo tipo de gestão era muito mecânica, as pessoas eram vistas como máquinas, o que não era verdade. Os estudos sobre gestão começaram a mudar na década de 1990, passando para algo mais orgânico”, diz.
A empresária lembra que, na mesma época dessa transição, passou a mudar a forma de trabalhar – e foi julgada por isso. “Nos anos 1990 tirei o salto, coloquei olho no olho. As pessoas estranharam muito o que eu estava fazendo. Tudo era muito cheio de processos”, acrescenta.
Trajano vê a pandemia como um intensificador da implementação da gestão orgânica e aponta que, devido às necessidades de testes e adaptação, as mulheres estavam mais preparadas para ele: “Somos criadas assim por natureza”.
A presidente do Magazine Luiza encorajou que as profissionais mulheres se unam para conseguir ocupar espaços e criar oportunidade para outras mulheres: “Tem uma premissa que diz que mulher não é amiga de mulher. É mentira, e é a primeira coisa que temos que quebrar. Precisamos pregar o tema sororidade”, aponta. “Não somos e não podemos ser contra os homens. Somos a favor das mulheres. Tem uma grande diferença. Chegou a nossa vez. Vamos nos unir e fazer diferente do que fizeram conosco”, continua.
Política
Trajano aproveitou o evento para anunciar a ação Pula Para 50, do Mulheres do Brasil, que tem como objetivo incentivar candidaturas femininas e fazer com que o percentual de ocupação do Congresso por elas seja de 50%. A empresária explica que, para participar, a candidata precisa se comprometer com a igualdade, educação e saúde para todos e ser a favor da democracia.
O grupo também prepara quatro metas para entregar aos candidatos à presidência para que se comprometam com a criação de empregos, moradia, saúde e educação para toda a população brasileira.
“O que muda o país é política pública, minha gente, e quem precisa fazer isso é a sociedade civil. Nós colocamos as pessoas lá. As grandes transformações do país nasceram da sociedade civil organizada. Estamos tentando fazer os movimentos se juntarem”, diz Trajano.
A empresária criticou a polarização do debate político do Brasil e afirmou que não tem “o compromisso de ser perfeita”. “As pessoas falam: ‘Ela é PT, ela é não sei o que’. Eu sou eu. Resolvi optar por trabalhar pelo Brasil. Fui muito convidada para ser candidata a presidente, mas não sou. Não tenho vontade de me filiar. Sou uma política que luta pelo Brasil e tenho um grupo político de mulheres”, declara.
“Ter diálogo com o outro conecta, e estamos vivendo uma conversa totalmente desconectada no Brasil e no mundo. Temos que ter unidade, e nós, mulheres, precisamos fazer isso. Precisamos nos unir pelo bem do Brasil. […] Quando falo que sou a favor da Bolsa Família, sou esquerda. Quando sou a favor da privatização, sou direita. Tomo paulada de tudo quanto é lado. Mas sou pelo Brasil”, acrescenta. Questionada sobre em quem iria votar para presidente nas eleições deste ano, Trajano ri e responde: “Pelo Brasil”.
Aliadas pela Sororidade
O evento também marcou o lançamento do movimento “Aliadas pela Sororidade”. Edna Vasselo Goldoni, presidente e fundadora do IVG, explica que a iniciativa é um fomento para que as mulheres possam se apoiar no mercado de trabalho.
“O movimento nasceu com a missão de difundir a irmandade e a consciência de quanto nós precisamos apoiar outras mulheres. Sororidade é irmandade: é uma mulher apoiar, ajudar e acreditar na força de outra mulher. É disso que precisamos para fazer mudanças no mundo”, afirma Goldoni, que complementa ao afirmar se sentir realizada em poder desempenhar esse papel com o instituto: “Foram 40 anos de dedicação à causa da mulher. Acredito na força da mulher e tenho orgulho de, hoje, ser o palco de um dos maiores congressos da mulher brasileira aqui no país”.
Para Glaucimar Peticov, diretora executiva do Bradesco, o 1º Congresso da Mulher Brasileira levou muito tempo para ser desenvolvido “porque é uma jornada que estamos construindo em que as mulheres se fortalecem a cada dia, além de nossas competências técnicas e comportamentais”.
“O Congresso é fruto dessa união entre várias mulheres que estão sendo marcadas em vários segmentos e dando seu recado. Queremos fazer com que as mulheres se iluminem, percebam sua capacidade e potencial e acreditem naquela frase tão utilizada de que o lugar da mulher é onde ela quer. Para que isso aconteça, precisamos nos sentir proprietárias disso”, acrescenta Peticov.
“Estar com mais de mil mulheres aqui é extremamente importante para a gente começar a fazer esse ponteiro girar mais rápido. Se a gente não se movimentar, segundo as pesquisas, vamos demorar 267 anos para que a gente tenha, pelo menos, uma igualdade de salário”, aponta Sandra Takata, presidente do Instituto Mulheres do Varejo, ao citar dados divulgados em 2021 pela Global Gender Gap Report. “Estar em um evento como esse é extremamente importante e transformador. É uma evolução”, acrescenta.
Diversidade de demandas
Além da diversidade de áreas de atuação, que abrangeram desde o agronegócio ao ramo de tecnologia e ciências, o Congresso evidenciou a amplitude de demanda de mulheres que pedem pela equidade de gênero, com foco também nas mulheres negras, travestis, trans, com deficiência, indígenas e com atuação na periferia.
A advogada e fundadora da Transempregos, Márcia Rocha, comemorou os avanços que têm percebido na inserção da população transgênero, que inclui mulheres trans e travestis, no mercado formal de trabalho. “Estamos crescendo e proporcionando milhares de contratações”, diz. “Quando a gente dá oportunidade para alguém, a gente muda a realidade dela, da família, do contexto. As pessoas começam a ver a pessoa trans de forma diferente – e é do que precisamos a longo prazo”, acrescenta Rocha.
Amanda Oliveira, CEO do instituto Valquírias World, se aprofundou sobre a necessidade de erradicação da pobreza por meio de projetos como o Favela 3D, coordenado por ela ao lado do empreendedor social Edu Lyra – que foi o único homem painelista do congresso. A Favela 3D atua ao lado de moradores da Favela Marte, em São José do Rio Preto, para transformar os arredores da comunidade junto dos residentes.
“Erradicar a pobreza no Brasil requer resiliência e empatia. A pobreza manipula a cabeça das pessoas e as faz acreditar que não há nada para elas. Você não consegue pensar em prosperar se tudo o que se pensa o dia todo é se vai ter comida na mesa para o filho, se vai ter leite ou se a roupa para usar na entrevista de emprego está boa. Como pensar em um futuro em meio ao caos?”, questiona Oliveira no palco.
Stania Moraes é cofundadora do W-CFO Brasil, organização que visa impulsionar as mulheres na área financeira, setor em que o percentual de atuação delas é de apenas 15%. Moraes reforça que o percentual é o mesmo desde que ela começou sua trajetória profissional há 30 anos, o que indica a necessidade de mudanças para possibilitar a participação feminina.
“Precisamos perceber o quanto a gente precisa estar cada vez mais juntas para trazer essa sororidade e esse aconchego de perceber que a gente pode, realmente, conquistar espaços. Temos percebido a necessidade de estarmos juntas independente de segmento, posições, faixa etária ou condição social e financeira. É importante valorizar o que somos como mulheres e potenciais de realizar o que quisermos fazer na vida”, declara Moraes.
Fonte: IG Mulher