Mulheres que tentam engravidar apontam perguntas que causam pressão e ansiedade
O sonho da maternidade não é algo natural para todas as mulheres, mas para as que desejam além de ser mãe, viver a experiência da gravidez, ele pode se tornar uma realidade difícil de conviver. A verdade é que engravidar não é tão simples quanto parece e os números crescentes por tratamentos para engravidar comprovam isso. Só de 2019 para 2020, houve um crescimento de 11%, de acordo com o 13º Relatório do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio) – enquanto de 2010 para 2017, o aumento foi de 168%.
Um estudo realizado em 2003 mostra que as chances de uma mulher engravidar com menos de 30 anos, com ciclos menstruais regulares e relações sexuais todos os dias por um ano, fica entre 15 a 20%. Ou seja, apenas duas a cada dez mulheres engravidam naturalmente. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), casais que ultrapassam esta marca de um ano e não engravidam podem ser inférteis – representando 8 milhões de brasileiros. Por que, então, as pessoas ainda invadem o espaço de quem quer engravidar com perguntas incovenientes?
“Eu percebo que os casais que estão tentando engravidar acabam sentindo muita vergonha porque, às vezes, as pessoas fazem comentários desagradáveis. Pode nem ser por maldade, mas fazem questionamentos e os casais sentem que essas pessoas estão invadindo um pouquinho ou até bastante esse espaço e essa intimidade”, explica a psicóloga Bruna Demarchi, que trabalha especificamente com pessoas que querem engravidar.
Maria, de 35 anos, não quer identificar o sobrenome por ter vivido situações constrangedoras e incômodas por ser tentante – termo usado nas mídias sociais entre as mulheres que querem engravidar. Ela conta que pessoas da família que engravidaram ou que têm bebês pequenos passam a evitar a companhia dela quando descobrem que Maria está tentando engravidar. Ela fala que até compreende o pensamento das pessoas em imaginar que ela possa ficar desconfortável, mas que a situação em si é muito pior, pois a priva de conviver com a família.
Dentre o que já passou desde que decidiu engravidar, Maria relata duas situações que abalaram o seu emocional. “Querer ser mãe na pandemia foi uma coisa nova que trouxe bastante transtorno. Eu cheguei a me deparar com uma mulher que falou que era muito egoísta da minha parte querer ser mãe para depois passar as minhas frustrações, os meus problemas todos para a criança. Achei um absurdo aquilo! Foi uma das primeiras situações horrorosas que eu passei com relação à minha luta pela gravidez”.
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Grupos de apoio
Letícia Nicoletti, 22, criou um grupo de apoio para ajudar outras pessoas que vivem o processo de tentar engravidar, pois ela e o marido viveram esta situação por três anos e os grupos nas redes sociais foram importantes para que ela não sentisse que estava sozinha. Hoje ela é mãe de Melissa, mas quando ainda era tentante, Letícia foi diagnosticada com infertilidade sem causa aparente (ISCA) e ficou sem menstruar por um ano depois de parar com o anticoncepcional para iniciar as tentativas.
“Após conseguir menstruar novamente, tive mais um problema. A menstruação irregular, que me prejudicou tanto sem saber o exato período fértil e quando ter relações para conseguir engravidar. Nesse meio tempo, como tentante, ninguém da familia sabia, então eu e meu marido vivenciamos tudo isso sozinhos. Era muita pressão ver todos os meses a menstruação descer quando você só queria que ela não viesse. Tive uma gravidez psicológica e passei por todo esse momento sozinha, pois eu não tinha alguém para realmente contar e me apoiar nesse período, a não ser meu marido. Ele sofria junto comigo e não sabia como me ajudar”, lembra.
Por saber como é a ansiedade de quem vive este momento, quando a filha tinha sete meses, Letícia decidiu usar a própria experiência para apoiar outras pessoas que estão vivendo este momento pelo Instagram . Ao ser questionada se lembra de alguma história que a tocou, ela diz que todas as pessoas que vivem este momento, especialmente as mulheres, além da tristeza carregam consigo a culpa da infertilidade, ainda que isso não seja um retrato fiel da realidade.
Como ajudar
A psicóloga Bruna explica que as pessoas precisam tomar cuidado com os comentários que fazem, lembrando que a decisão de ter filhos e como (via gestação ou adoção) é da pessoa. Outro ponto que ela levanta é o crescimento do número de pessoas tratando a fertilidade – atualmente são 13%. “Às vezes a pessoa está ao lado de alguém que está fazendo um tratamento ou tratando a fertilidade. Uma simples pergunta como ‘cadê o bebê?’, ‘não vai ter o bebê?’ ou ‘quando que vocês vão trazer um bebê pra família?’ pode ser motivo para gerar uma grande pressão e ansiedade nessa outra pessoa”.
Caso exista intimidade e as pessoas abram o coração sobre os planos e dificuldades de engravidar, a especialista fala que é preciso tomar com os comentários. Ela ressalta que é preciso evitar brincadeiras sobre o assunto, especialmente sobre a performance sexual. Bruna também orienta que é preciso empatia e buscar falar com naturalidade sobre as opções de tratamento que existem, caso a pessoa demonstre interesse em conversar sobre, mas de forma que não seja mais uma pressão.