“Ouvia que as tranças afro não combinavam com meus traços do rosto”
“Coloquei tranças afro numa quinta-feira, dia 17 de setembro deste ano. Eu usava cabelo liso ondulado e já fazia algum tempo que eu pensava em colocar. Em muitos momentos, que eu pedia a opinião dos meus amigos, inclusive de ex-companheiros, ouvia que não ficaria legal em mim, porque não combinava.
Cheguei a ouvir que não combinava com os traços do meu rosto. Isso tudo me causava inseguranças e me reafirmava que as tranças realmente não combinavam comigo mesmo eu sendo uma mulher negra. Isto tudo me levou a pensar que eu era mais bonita com cabelo liso e que se eu ousasse mudar seria preterida pelos meus próximos e também pela sociedade.
No entanto, comecei a acompanhar os diferentes penteados com tranças afro que minha irmã lindíssima usa. Comecei a ficar mais perto das pessoas que valorizam a cultura e a estética negra, comecei a admirar cada vez mais blogueiras e famosas negras que exaltavam as suas tranças e o poder simbólico delas para nossa consciência negra.
Após todo este envolvimento, resolvi mudar e colocar as tranças. No primeiro momento, resolvi que iria deixá-las somente por um mês e depois voltar com meu cabelo liso. Eu não tinha certeza se eu iria gostar, se ficaria bem em mim.
Procurei várias trancistas pretas em Porto alegre, capital do Rio Grande do Sul, (onde moro atualmente) em busca de um bom custo-benefício. Por uma questão do meu tempo disponível – além de trabalhar como jornalista, faço doutorado – escolhi uma profissional chamada Vanessa Rodrigues. Por uma opção política-pessoal, nos últimos anos, sempre escolhi profissionais somente negros, buscando valorizar o povo negro em todas as suas esferas.
Vanessa veio até a minha casa na quinta de noite. Durante o trançamento ouvíamos samba e pagode. Foi muito simbólico. Gostei muito do resultado, de uma forma inexplicável me senti mais perto da grande África, empoderada da minha negritude. Muitas pessoas nos aceitam, mas não toleram a nossa negritude, não toleram que problematizemos as desigualdades raciais.
Uma adolescência marcada pelo racismo e pelo alisamento do cabelo
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Desde a escola ouvia das minhas “amigas” comentários que eu era “uma negra bonita” porque não tinha o tom de pele tão escuro como algumas pessoas negras. É incrível como o racismo vem disfarçado de boa intenção, carinho e inclusão.
Lembro que comecei a alisar o cabelo aos 12 anos. Quando cheguei na escola pela primeira vez com cabelo alisado, lembro de ver olhares surpresos com o resultado e muitos comentários direcionados a mim. Alguns comentavam com os demais sobre como tinha ficado melhor minha aparência. Outros riam comentando como meu cabelo “duro” e “feio” tinha conseguido se transformar em liso. No final das contas, os comentários apenas me confirmavam que a minha beleza natural não era bem vinda e nem respeitada.
Hoje em dia para qualquer pessoa ficar perto de mim precisa me respeitar como uma mulher negra e minimamente entender da questão racial. Enquanto no passado o racismo era visivelmente agressivo, hoje ele se perpetua através da falsa amorosidade, do esvaziamento da pauta e dos meros discursos de inclusão. Nada mais necessário radicalizar o que os nossos já falam há séculos.
Por fim, nos amar sempre será um ato revolucionário. Nada incomoda mais a branquitude do que a nossa felicidade, plenitude e liberdade”.