“Quero que as pessoas trans se mantenham fortes”, diz modelo Alice Felis
“Sobrevivi à transfobia”. Essa é a primeira frase na bio do Instagram de Alice Felis, que em agosto do ano passado foi vítima de transfobia dentro de seu apartamento, no Rio de Janeiro . Ela foi agredida e quase esfaqueada, além de ter tido R$3 mil roubados. Oito meses depois, Felis aposta na carreira de modelo.
Seguir o ramo foi uma ideia que surgiu vez ou outra na cabeça dela ao longo da vida, mas nunca pensou que fosse algo viável por ser uma área vista como difícil. “É complicado porque as pessoas não dão muita oportunidade para as pessoas trans. Dificilmente algumas têm visibilidade e conseguem ingressar na carreira de fato”, afirma.
Ao experimentar essa realidade, Felis afirma que está vivendo um sonho. “Gosto muito de me mostrar, de me expor. Está sendo muito importante para mim”, diz. Nos últimos tempos, a modele tem chamado atenção das marcas. Elafoi convidada para ser embaixadora da marca de cosméticos Madame Crème e participará de um reality show virtual chamado Na Sua Casa Brasil, que acontecerá no Instagram e renderá um prêmio de R$100 mil ao primeiro colocado.
Para além de sua trajetória pessoal, Alice afirma que todas essas conquistas são importantes pelo fato de ser uma pessoa trans ocupando novos espaços, o que pode inspirar outras pessoas. “Também quero que as marcas deem oportunidades para pessoas trans . Somos consumidoras também, precisamos ser enxergadas”, afirma.
A falta de oportunidade é o que leva pessoas trans para o mercado informal de trabalho. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 90% de pessoas trans e travestis têm o trabalho sexual como principal fonte de renda. Essa é uma realidade vivida por Alice, que trabalhou como acompanhante de luxo no Rio, depois de ser demitida de um salão por ter começado a transição de gênero.
Felis explica que sente nas marcas uma relutância em apoiar pessoas trans marginalizadas por esse motivo. “Acho que não tem nada a ver uma coisa com a outra, porque muitas levam esse caminho por não terem oportunidade de trabalho”, diz.
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Vida depois das agressões
Felis teve uma fratura no maxilar e perdeu cinco dentes por conta da agressão. Ela precisou passar por diversos procedimentos e cirurgias de reconstrução, mas não tinha dinheiro para custear tudo. Criou uma vaquinha on-line e recebeu ajuda do influenciador digital Felipe Neto, que fez mobilização para a arrecadação.
As cirurgias de reconstrução estão quase no fim. Ela deve passar por um procedimento na boca e realizará um tratamento de implantes dentários de R$150 mil, todo pago pela funkeira MC Mirella. No entanto, as cicatrizes psicológicas permanecem e a impedem até mesmo de sair de casa sozinha .
“Eu não sou cem por cento eu em muitas coisas. Não consigo me relacionar com as pessoas ou recebê-las em casa, tenho crises de pânico. A maneira como as pessoas me abordam também me deixa cismada, parece que estou sempre refém de alguma coisa”, conta Felis, faz acompanhamento psicológico para superar o trauma.
Quatro dias depois do ataque a Felis, Lucas Brito de Marques, o agressor, se entregou à polícia e foi preso . No entanto, ele foi solto e voltou a ser preso em março de 2021 por dirigir alcoolizado e bater o carro. Devido ao histórico de outros crimes, Marques permaneceu preso e pode ser indiciado por todos eles, inclusive o de transfobia contra Felis.
Mãos estendidas
Felipe Neto e MC Mirella não foram os únicos a oferecer apoio à modelo. Depois dos ataques, ela também foi contatada por Gloria Groove e Pabllo Vittar. Mas foi a cantora Preta Gil de quem ela ficou mais próxima. “A Preta é uma das poucas que mantém contato direto comigo, que me pergunta se eu estou bem”, diz.
Preta pagou o aluguel do apartamento em que a modelo vive, na capital paulista, e a ajudou com a carreira ao contratá-la por sua empresa, a Music 2 Mynd. “Inclusive, a empresa dela que está conseguindo grandes parcerias para a minha carreira, que vão me abrir portas para ajudar outras pessoas”.
Além da representatividade na carreira, ela espera fazer isso por meio do Instituto de Combate à LGBTIfobia na Internet, do qual se tornou madrinha. “Quero que as pessoas trans não desistam de seus sonhos e objetivos, que se mantenham fortes. Sempre vai ter uma porta aberta para elas”, afirma. Para isso, ela tem feito a lição de casa e está mergulhando na militância em prol de pessoas transgênero e travestis.
Com a carreira deslanchando, ela afirma que o céu é o limite. Mas para ela, uma das coisas mais importantes que alcançou nestes últimos oito meses é manter sua própria vida. “É uma coisa que não pensei que ficaria quando vi tudo que aconteceu naquele apartamento. Estou realizada com tudo que aconteceu e que vai acontecer. Estou feliz em ter conquistado minha independência, meu trabalho e minha visibilidade. Valorizo tudo e quero dar o meu melhor para conquistar ainda mais”.