Relato: Mulher conta como descobriu ter HIV aos 6 meses de gestação
Segundo a Unaids , programa das Nações Unidas que tem como função criar soluções e ajudar os países com combate ao HIV, 870 mil mulheres são infectadas pelo vírus todos os anos em todo mundo. A maioria delas (80%) foi contaminada pelo marido ou namorado .
Uma dessas mulheres é a aposentada Claudia*, 57 anos, que descobriu que tinha contraído o vírus durante a gestação da filha, em 1993. Em entrevista ao Delas, ela conta sua história.
A descoberta
A aposentada conta que conheceu seu marido, Jorge*, em 1991, eles trabalhavam juntos na mesma firma de advocacia. O relacionamento ia muito bem, até que em 1993, quando já estavam casados, ela engravidou. Jorge recebeu a notícia aos gritos, deixando-a apavorada.
“Ele começou a chutar as coisas pela casa, me bater, nunca vi ele daquela maneira, fora de si. Me chamou de vaca, falou que eu tinha feito de propósito. Disse que era pra eu tirar a criança”, lembra.
Uma semana depois, Jorge levou pra casa um remédio para tentar provocar um aborto. O remédio não fez efeito. “Eu chorava tanto, que acho que ele no fundo se arrependeu, mas até então ele não tinha me falado nada sobre ter o HIV”, conta.
Quando Cláudia completou seis meses de gestação seu o marido ficou muito doente e precisou ser internado na UTI. A causa era uma infecção muito comum entre os pacientes com a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS).
“Fomos até na casa dele no interior de São Paulo, os médicos falaram que não era nada, mas ao invés de melhorar ele só piorava, estava cianótico. A mãe dele decidiu levá-lo ao hospital. Quando chegou lá foi levado para o oxigênio, se demorasse mais algumas horas, os médicos disseram que ele morreria. Foi só aí que eu descobri”, diz.
Ela fez o teste e deu positivo. “Como ele estava na UTI, não tinha como conversarmos. Eu chorei, mas tirei uma força não sei de onde, a família dele não me deu ajuda psicológica nenhuma, quem me ajudava eram as empregadas da casa.”
Preconceito
Assim que soube do resultado positivo, a aposentada começou a perceber olhares diferentes por parte da família do marido. “Minha sogra começou a espalhar para todos que eu tinha passado o HIV para ele. Percebi que os familiares dele não queriam comer no prato que eu comia, ou beber no mesmo copo, por puro preconceito.”
Cláudia conta que o pior momento foi ouviu de uma médica a sugestão para interromper a gestação. Ela estava visitando o marido na UTI quando escutou de uma médica a seguinte frase: “se eu fosse você, eu abortava a criança”.
Quando o marido se recuperou e eles finalmente tiveram oportunidade de conversar ele disse não saber que tinha o vírus. Disse que antes de se conhecerem, fazia o uso de drogas injetáveis, e achava que essa era a causa da doença.
“Conversei com ele que ficou quieto o tempo todo, parecia que ele ficou sabendo na hora também e dizia ‘a gente vai trabalhar junto nisso’, foi quando encaminharam a gente para o hospital Emílio Ribas, em São Paulo. Os médicos recomendaram tomar AZT, meu marido tomou, mas na época, eu fui muito negligente e não tomei, pois tinha medo que acontecesse algo com a minha filha.”
O parto
O único momento que Cláudia se emocionou durante a entrevista foi ao falar da filha. Nicole nasceu saudável, sem nenhum problema, o parto teve que ser uma cesária, pois o parto normal não é aconselhável em mulheres portadoras do vírus.
“Ela nasceu bem, era o bebê mais bonito da maternidade”, ela fala com orgulho e acrescenta que tinha que levar ela todo o mês para o médico para ter certeza que a filha também não era portadora do vírus. “Eu tive que levar ela todos os meses para o Emílio Ribas, tirar sangue, eu chorava muito porque a Nicole tinha veias muito finas, os enfermeiros tinham que tirar o sangue da cabeça dela. E nessa hora que eu ficava brava com meu marido, pelo sofrimento da minha filha, mas depois passava.”
Durante todo esse período, a médica não contou para Claudia os resultados, não queria dar esperanças para a mãe, pois poderia ter alguma alteração genética. Após um ano, ela soube: a filha não tinha o HIV.
“Não sei como estão as coisas hoje e eu já estava tomando remédio, mas minha filha não tomou nada. Passado um ano, a médica me chamou e disse que não tinha nada, eu só ajoelhei e agradeci, pois sabia que o sofrimento dela ia acabar.”
Nicole cresceu bem e saudável. Com o marido, Cláudia decidiu que contariam para ela quando fosse mais velha e entendesse melhor a doença. O que ela não contava que quando a filha tinha 5 anos, Jorge viria a falecer, em decorrência de complicações após uma meningite.
Após o falecimento do marido, Claudia recebeu alguns documentos da família dele. “Estava mexendo na papelada, quando caiu um papel que era um exame de HIV. Eu conheci ele em 1991, começamos a namorar no mesmo ano, fiquei grávida em 1993. Nesse papel constava que ele sabia da doença desde 1989”.
O documento comprovava que o marido sabia que tinha o vírus desde antes de se conhecerem e não contou a ela. “Fiquei com raiva, porque ele não contou pra mim, porque ele não me deu o direito de escolher, ele escondeu a doença de mim e não pensou nas consequências. Após a morte dele, eu entrei em um período muito ruim da minha vida. Os remédios que eu tomava não faziam mais efeito. Emagreci 25 kg, eu tomava os comprimidos e meu corpo eliminava. Fiquei 9 meses assim, eu tava prestes a morrer, eu não tinha mais força pra nada, um dos médicos do Emílio Ribas viu a minha situação e mudou os medicamentos. Hoje, estou melhor, tive que ficar melhor por Nicole”, acrescenta.
O maior medo de Claudia, não era a doença, nem o olhar das pessoas, era contar pra filha e ser rejeitada e muito menos que a filha ficasse com ódio do pai, já que os dois eram muito próximos. “Eu não queria falar pra minha filha. Ela era adolescente e eu tinha medo dela me julgar de qualquer maneira. Na verdade, ela ficou bem mal na hora, mas ela reagiu muito bem e me deu muito apoio. Foi bom, eu não tinha que ficar mais escondendo remédios”, relata aliviada.
Agora com o apoio da filha, tomando a medicação correta e tendo todo o atendimento gratuito no Hospital Emílio Ribas, em São Paulo. Apesar da doença estar controlada, a carga viral indetectável, ela ainda faz exames a cada três meses para ter certeza que está tudo bem.
“Esse assunto tem que ser falado mais, muito jovens, senhoras estão pegando a doença, a campanha que fazem é muito pouca, eu reforço que precisa ser falado”, encerra.
*Os nomes foram trocados a pedido da entrevistada