Violência contra a mulher: conheça o trabalho das Promotoras Legais Populares
No Brasil, a violência contra a mulher desconhece classe social. Comos como o de Pamella Hollanda, que esta semana expôs as agressões sofridas pelo marido, Dj Ivis , bem como o de Luana Piovani e outras mulheres famosas que já sofreram violência doméstica , mostram que se trata de algo disseminado em toda a sociedade.
Para combater este problema diversos movimentos sociais procuram desenvolver estratégias de como ajudar mulheres vítimas de violência de gênero , seja no ambiente doméstico ou no espaço público. Há trinta anos, o Brasil implementou um modelo criado no Chile que capacita mulheres para serem mais ativas na sociedade: as Promotoras Legais Populares, também chamadas de PLPs.
O movimento social forma mulheres para exercerem papéis de cidadania e se tornarem referências políticas dentro de suas próprias comunidades e no espaço público em geral. Direitos humanos, legislação, orçamento público e política são alguns dos assuntos tratados nas formações, que são encontros feitos ao longo do ano por PLPs.
Kaká Palacio, que é PLP desde 2018,explica que os principais objetivos do movimento social é formar mulheres a cobrarem do poder público seus próprios direitos e contribuir com a criação destas políticas que a amparam. Elas também se engajam e participam das manifestações de rua.
“As PLPs são de ir para a rua, de tratar sobre temas que estão acontecendo. Nosso poder está em nos organizarmos coletivamente e saber de quem cobrar. Queremos que entendam que somos o centro das políticas, não objetos de proteção dos parlamentares”, explica.
Além disso, as PLPs são capacitadas para ter uma escuta ativa e empática em relação a outras mulheres. Assim, elas conseguem reconhecer situações de violência de gênero e podem oferecer assistência e apoio adequadamente.
“Queremos que as mulheres desenvolvam um olhar crítico dentro do universo delas para que elas possam se tornar referências dentro da comunidade, para que tenham uma escuta ativa ao receber demandar de outra mulher e que aprenda a lidar com vítimas de violência”, diz.
Tudo isso é feito sem qualquer tipo de verba pública, apenas com dinheiro arrecadado coletivamente ou do próprio bolso das PLPs, quando podem contribuir.
Como as Promotoras Legais Populares surgiram
Amelinha Teles, que é advogada e coordena o programa do coletivo União de Mulheres de São Paulo, explica que as PLPs são uma proposta política de educação popular feminista e de direitos. Foi ela quem trouxe o movimento para o Brasil, ao lado da também advogada Denise Dora.
Em 1992, Amelinha e Dora participaram de um seminário organizado por advogadas feministas, que apresentaram projetos de educação jurídica para mulheres. O projeto das Promotoras Legais Populares foi o que mais animou as duas. “As PLPs permitiam trocas de experiências a respeito de leis, direitos e mecanismos de acesso à justiça”, afirma Amelinha.
Na época, a Constituição Federal Brasileira estava completando quatro anos, cujo artigo 5º garante a igualdade dos gêneros. Apesar do registro ser um avanço significativo, colocar a coisa no papel e fazer acontecer são duas coisas completamente diferentes, afirma Amelinha.
Você viu?
Para isso, é importante que as mulheres conhecessem os seus próprios direitos e soubessem que poderiam defendê-los. “As mulheres têm que se apropriar dessa história, conhecer as conquistas e tratá-las como se fossem delas”, diz.
Ainda em 1992, as advogadas começaram a se articular com grupos feministas e instituições governamentais, como o Ministério Público, para conseguirem atuar e formar PLPs. Em 1994, foi realizado o Seminário Nacional de Introdução ao Curso de Promotoras Legais Populares, que formou 35 mulheres de todo país.
“Todos os nossos direitos nasceram da luta e das experiências das próprias mulheres. Então, nós temos que conhecer e trocar essas experiências. Não tem uma que detém mais conhecimento que outra, mas são várias formas de conhecer e experimentar as relações sociais”, diz.
Como se tornar uma Promotora Legal Popular
As mulheres que têm interesse em se tornar uma PLP precisam ter muito tempo e disposição, já que vão se engajar em diversos compromissos políticos de suas comunidades e das mulheres em geral. Antes disso, a mulher interessada deve comparecer a alguns encontros formativos, geralmente organizados pelos núcleos de PLPs.
As PLPs de Sertãozinho estão com vagas abertas para os próximos encontros formativos, que serão virtuais. Esta é a primeira vez que a cidade oferece uma formação. As inscrições se encerram no próximo dia 28 e podem ser feitas ao clicar aqui .
Nestes encontros, as mulheres aprendem assuntos sobre a sociedade atual, história, direitos humanos e estrutura de órgãos públicos e governamentais. Kaká afirma que os próximos desafios a serem pautados são pandemia, impeachment e crime de responsabilidade — estes dois últimos tópicos ligados à postura do presidente Jair Bolsonaro diante da crise sanitária.
Mulheres de qualquer faixa etária, formação e ocupação podem participar. “Existem PLPs que são donas de casa, advogadas, assistentes sociais, adolescentes no ensino médio e até PLPs que não sabem ler. Qualquer mulher pode entender como funcionam as instituições”, explica Kaká.
A PLP reforça que o único pré-requisito para se tornar uma é ser uma mulher cis ou trans. “Nós trabalhamos com os leitores de raça, classe social, gênero, sexo e sexualidade. Todos eles são fundamentais para tratar as necessidades da população de forma contundente”, diz.
Além de encontros formativos, é comum que as PLPs vão a campo para aprender como funcionam as instituições e serviços públicos voltados para as mulheres. Até antes da pandemia, por exemplo, os encontros das PLPs de São Paulo eram feitos na Câmara dos Vereadores. Também é comum a visita em centros de atendimento e acolhimento a mulheres vítimas de violência de gênero.
Para Kaká, essa vistoria é importante tanto para ter conhecimento do serviço como para garantir que ele esteja funcionando. Além disso, é uma maneira de fazer com que a vítima tenha um atendimento menos demorado e burocrático. Ela explica que isso faz com que a qualidade do serviço aumente. “Com o olhar crítico, inclusive, se aprende a cobrar do poder público que determinados projetos saiam do papel”, afirma.
A formação de PLPs acabou se tornando importante na vida de Teresinha Nascimento. A dona de casa diz que passou a se engajar muito mais em grupos no bairro em que vive, em São Paulo, e percebeu melhora na sua relação com a sociedade e com as mulheres.
Desta maneira, ela se sente mais apta a dar auxílio para mulheres que estão em uma situação vulnerável. “Ao longo da formação de promotora, somos capacitadas com informações sobre leis, políticas públicas e serviços, o que garante essa aplicação adequada. O primeiro passo é o acolhimento, depois a gente fortalece a vítima, incentiva a procurar os seus direitos e acessar a justiça para que ela realmente entenda a situação”, diz.
A própria Teresinha passava por dificuldades psicológicas quando descobriu as PLPs. Após sofrer uma série de violências médicas devido à menopausa. Ela participava de grupos de apoio e ouvia diversos relatos de sofrimento e machismo por parte de outras mulheres, o que a fez querer mudar isso. Assim, uma assistente social passou o endereço da União, o que a introduziu às PLPs.
Além das novas ações coletivas para combater a violência de gênero, Teresinha afirma que sentiu uma mudança pessoal. “[Ser uma PLP] Me tirou da caixinha. Hoje consigo me ver como mulher, já escrevi um livro e trago as minhas filhas para essa pauta, para que não deixem ninguém machucá-las. Me sinto muito bem a cada dia por saber que não sou aquela mulher invisível. Percebi que eu não estava sozinha.”