Caminhos da Reportagem reprisa programa sobre cancelamento virtual
Todos os dias uma celebridade ou influenciador digital é cancelado na internet. Campanhas propõem que essas pessoas sejam “anuladas” e percam fãs e seguidores. Mas, afinal, o que é a cultura do cancelamento? O programa Caminhos da Reportagem deste domingo (12) reprisa episódio que discute e explica esse assunto – que já foi tema até de prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
De acordo com a especialista em marketing digital Elis Monteiro, o cancelamento é “um movimento coordenado na maioria das vezes por pessoas que estão na internet e se reúnem para odiar alguém junto, ou seja, eles decidem que aquela pessoa não merece existir no mundo digital”.
O movimento iniciado em 2017 por atrizes estadunidenses contra o assédio e abuso sexual, o #metoo – eu também, em português – foi considerado um marco para a cultura do cancelamento. A ação ganhou força nas redes sociais e propunha a exposição e o boicote de abusadores e assediadores. Em pouco tempo foi replicada em todo o mundo.
Uma pesquisa publicada em 2020 pela agência de publicidade digital Mutato analisou mais de 8 mil comentários publicados na internet. O documento dividiu as ações online em três: a primeira seria o boicote, que geralmente está relacionado à política, marcas, pessoas ou instituições em posição de poder. Dificilmente é efetiva. A segunda seria o ban, ou close errado, que seria um movimento informal que atinge celebridades e anônimos, mas é pontual. E, por fim, o linchamento virtual e cancelamento. Boa parte dos entrevistados ouvidos, 79% deles, é contrária ao cancelamento.
Em um ano, de 2019 até 2020, a palavra cancelamento foi citada quase 20 mil vezes na internet, segundo a pesquisa. No ano passado, foi mencionada mais de 60 mil vezes, o que representa um crescimento de mais de 200%.
Em vários casos, o cancelamento ultrapassa os limites digitais e afeta também a vida off-line.
A youtuber Viih Tube conta que foi agredida na rua depois de ser cancelada na internet por causa de um vídeo. “A primeira vez que eu saí de casa depois de muita coisa que eu vivi dentro de casa…dificuldade de comer, de levantar, só chorava. Eu fui agredida por um homem na rua que eu nem conhecia, porque me viu pelo cancelamento ficou super irritado com o vídeo e literalmente me agrediu…foi uma coisa surreal que eu vivi no primeiro momento que eu quis pisar fora de casa”, conta.
Colega de Viih Tube em um reality show, a cantora Karol Conká também teve suas atitudes condenadas na internet e foi cancelada. Ela contou, em uma entrevista concedida ao influenciador digital Spartakus, que além de perder seguidores, recebeu ameaças de morte e viu contratos serem cancelados. Apesar de afirmar que errou, a cantora ainda sofre com os efeitos do cancelamento.
“Eu, reconhecendo meu erro, parece que eu estou mentindo, parece que eu não sou merecedora de compreensão ou acolhimento. Então eu penso: todos esses anos eu trabalhando, eu me expondo, aí tive um deslize, cometi um grande erro de não controlar as minhas emoções, não controlar a minha ansiedade, não saber lidar sob pressão. Aí é como se não precisasse mais de mim. Eu me senti descartável”, afirma.
Mas não só as celebridades são canceladas. A quadrinista Camila Padilha conta que um comentário racista feito por ela foi parar na internet.
No mesmo período ela tinha ganhado um edital para a produção de um filme de animação. A personagem principal era negra, o que aumentou ainda mais os ataques na internet.
“O fato de eu querer falar sobre o racismo sobre uma perspectiva negra eu acho que é errado da minha parte porque eu sou branca, não tenho essa perspectiva e a minha perspectiva de falar sobre racismo deveria ser da perspectiva de uma pessoa branca”, afirma.
Apesar de assumir o erro publicamente, não teve jeito: Camila foi cancelada. Perdeu seguidores e até o emprego por causa da exposição nas redes sociais. Ela conta: “eu perdi o filme, eu perdi o emprego, tudo o que eu tinha construído assim… Tive que me afastar das minhas redes sociais porque eu não conseguia falar…”
Para o coordenador do Núcleo de Estudos em Ética e Política da Universidade Federal de Pernambuco e doutor em filosofia pela Universidade de Frankfurt, Filipe Campello, a cultura do cancelamento pode ter efeitos devastadores. “O cancelamento é uma lógica que não perdoa. Ela não quer educar. Às vezes uma coisa que você falou há muito tempo e que foi encontrado, resgatado nas redes, aquilo ali parece que diz quem é essa pessoa hoje. Joga fora essa possibilidade de que temos de mudar”, pondera.
E ninguém está a salvo de ser cancelado. Seja uma estátua, como a de Cristóvão Colombo que foi derrubada na Colômbia, até um ídolo do rock nacional, como Raul Seixas.
Vivian Seixas é filha de Raul e conta que uma postagem em rede social de um desenho do roqueiro usando máscara, por causa da pandemia de covid-19, deu o que falar: “Teve fã que ficou super bravo”. Foram vários os comentários nas redes: “Raul jamais usaria focinheira, Raul jamais usaria máscara. E quem tá administrando esse canal?”, relembra Vivian.
Ao comentar o este episódio, ela enfatiza: “Só se Raul fosse um doido, né? Porque meu pai tinha diabetes, meu pai sofria de muitas de doenças, e só se ele fosse maluco pra não usar máscara.” Por fim, ela conclui dizendo que é preciso tomar muito cuidado com o que se escreve nas redes sociais.
O Caminhos da Reportagem Quem Cancela o Cancelamento? vai ao ar hoje, às 20h, na TV Brasil.
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