CineBH discute impacto das tecnologias de vigilância no cinema
A entrada do século 21 ficou marcada pelos atentados às duas torres do World Trade Center, em Nova York. Os episódios ocorridos no 11 de setembro de 2001, que completaram 20 anos há duas semanas, são apontados por especialistas como fundamentais para a evolução da história mundial: as fronteiras ficaram mais fechadas e as preocupações com questões de segurança cresceram significativamente.
Em recente reportagem da Agência Brasil, o pesquisador em relações internacionais e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Thiago Rodrigues considerou que o desenvolvimento da tecnologia de segurança, colocado em marcha após o 11 de setembro, gerou e continua gerando mecanismos de controle das populações, como a biometria e os variados dispositivos para monitoramento do espaço urbano, com impactos significativos na sociedade.
Nesse contexto, a Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte (CineBH) inicia hoje (28) à noite sua 15ª edição com uma pergunta: quais os efeitos dessa atmosfera tecnológica de vigilância para a produção cinematográfica?
Pedro Butcher, um dos curadores do evento, observa que o cinema e as tecnologias de vigilância têm uma origem comum. “O cinema, quando nasce como esse fenômeno da modernidade na era da Segunda Revolução Industrial, gera um encantamento grande por reproduzir a vida em movimento. Os primeiros filmes nem eram narrativas. Eles tinham como objetivo cultivar esse encantamento. Era a fotografia ganhando movimento. Então, podemos dizer que esses registros da vida também inauguram uma nova possibilidade de controle e vigilância”, afirma Butcher
Ele observa que existem filmes antigos que refletem sobre essa relação e cita o exemplo de Tempos Modernos, obra de Charles Chaplin, que aborda a vigilância no trabalho. “Há um momento em que aparece uma imagem enorme do patrão repreendendo os operários”.
Apesar dessa relação histórica, o século 21 traz um aprofundamento da relação entre o cinema e os dispositivos de segurança. Os avanços tecnológicos e o desenvolvimento digital oferecem simultaneamente novas possibilidades de linguagem para o cinema e novas estruturas de vigilância.
“Surgem diversas brechas para a captura de informações privadas, que antes eram consideradas como um templo sagrado do liberalismo, das liberdades individuais. O 11 de setembro alimenta essa necessidade de informação para se evitar novos ataques”, diz Pedro Butcher. Os desdobramentos do ataque às torres gêmeas também coincidem com o momento em que se observa um crescimento dos sites de buscas na internet.
“É quando se inaugura aquilo que a filósofa Shoshana Zuboff chama de capitalismo de vigilância. É uma vigilância que não se dá mais apenas pela imagem e pelo som, mas também pelo algoritmo. Temos uma superacumulação de informações sobre o comportamento do indivíduo: deslocamentos, hábitos de consumo, gostos, etc. E esses dados fornecem pistas para se tentar adivinhar o que esse indivíduo fará no futuro”, acrescenta.
Desde o início do ano passado, um novo evento mundial parece acelerar esse processo. Pedro Butcher considera que a pandemia de covid-19 intensifica a digitalização da vida. “Muito do trabalho passou a ser feito remotamente. Então, uma dimensão ainda maior das nossas vidas se digitalizou. E isso se reflete nos filmes”.
Seleção
A CineBH é organizada anualmente desde 2007 pela Universo Produção, que também é responsável pelas tradicionais mostras de cinema de Tiradentes e de Ouro Preto. O evento é apoiado pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo.
A 15ª edição levará para as telas, de hoje até domingo (3), um total de 90 filmes de 12 estados brasileiros e de outros 16 países. A programação inclui ainda debates, rodas de conversa e as atividades do 12º Brasil CineMundi, um encontro internacional que reúne cineastas, produtores e representantes da indústria mundial com interesse em coproduzir com o Brasil e conhecer pessoalmente projetos que, muitas vezes, não chegam até eles. Há atrações para todas as idades e, assim como já ocorreu no ano passado, toda a mostra será realizada em plataforma virtual, em decorrência da pandemia de covid-19.
Os 90 filmes estarão divididas em dez mostras. Uma delas reunirá exatamente os filmes que dialogam com a temática da edição: Cinema e Vigilância. Serão 12 obras, produzidas em cinco países diferentes: Brasil, Alemanha, França, Reino Unido e Estados Unidos.
Segundo Pedro Butcher, a forma como o cinema e os dispositivos de segurança se relacionam é multidirecional. Há filmes que apenas se interessam pela possibilidade estética. O curador observa que existem obras que são quase integralmente narradas por meio de câmeras de vigilância. No entanto, ele afirma que a CineBH se interessa principalmente por trabalhos que se apropriam dos aparato de segurança de forma crítica.
Inovação
Outra mostra que dialogará com a temática central homenageará o trabalho do Forensic Architecture, um coletivo multidisciplinar criado em 2011 na Universidade Goldsmith, em Londres, para realizar pesquisas inovadoras por meio do cinema e audiovisual. Ele faz um uso subversivo dos mecanismos de vigilância. Com imagens captadas por satélites, câmeras policiais, câmeras de segurança, smartphones e outros dispositivos, são produzidos documentários e vídeos artísticos que buscam refletir sobre assuntos de interesse mundial. Há trabalhos reconstituindo situações de guerra ou revelando desrespeito aos direitos humanos e ao meio ambiente.
“Eles buscam desvendar ou denunciar crimes. E o interessante desses vídeos é que eles circulam em espaços muito diferentes: exposições, museus, galerias, festivais de cinema e até em tribunais. Vários vídeos deles já foram usados em julgamentos, inclusive em casos de crimes de guerra em cortes internacionais”, diz Pedro Butcher.
Para as demais mostras, foi selecionada grande variedade de trabalhos, de longas a curtas-metragens, de filmes contemporâneos a históricos. Há também obras indicadas ao público infantil. Por sua vez, a mostra A Cidade em Movimento vai exibir 20 filmes produzidos na região metropolitana de Belo Horizonte.
Edição: Graça Adjuto