Familiares de Caminhoneiro que morreu em acidente na região de Araraquara seguem aguardando justiça
Já se passaram 16 meses do acidente mas ainda não se descobriu o motivo pelo qual o motorista tombou com o caminhão quando fazia a última viagem da jornada de trabalho.
Nathalia Teixeira
Uma rotina de tristeza e dificuldade tem marcado o dia a dia de Sirlene Batista da Cruz Martins, de 48 anos, enquanto aguarda o desfecho da ação indenizatória movida pela morte do seu marido, o caminhoneiro Luceir Bispo, que faleceu há 16 meses num acidente no município de Américo Brasiliense, microregião de Araraquara, quando conduzia uma carga de vinhaça num bi-trem da Usina Santa Cruz, localizada no mesmo município do acidente. Depois de ver seus sonhos com o marido serem destruídos no acidente que tirou a vida dele, Sirlene e seus dois filhos (Jenifer da Cruz Martins e Jeferson da Cruz Martins) aguardam o desfecho do caso na Justiça do Trabalho. A família moveu ação indenizatória contra a empresa, da qual o motorista era funcionário, por danos morais e materiais sob alegação de omissão e descaso com a vítima.
Ocorrida neste mês neste mês de agosto, a última audiência em que representantes da família da vítima e da empresa participaram, cada uma levando uma testemunha, não resultou em acordo. A perícia para análise das condições em que ocorreu o acidente não pôde ser devidamente concluída, já que a empresa teria removido o caminhão do local, o que pode acarretar em homicídio culposo, na avaliação do advogado da vítima, Eduardo Lemos Barbosa, especialista em acidentes e Direito de Família.
LEMBRANÇAS
Sirlene lembra como se fosse hoje da última vez que conversou com o marido, na noite de 5 de maio de 2020, quando ele levou 5 reais para que, quando largasse do trabalho por volta das 7 horas, comprasse pão na padaria para que eles tomassem café da manhã juntos. Luceir Bispo trabalhava das 23 horas até o dia amanhecer e os dois dividiam a rotina de fazer as coisas juntos há 30 anos. “É inacreditável que os sonhos, da noite para o dia, se transformaram em pesadelo”, conta ela, olhando para a roupa do marido (o fardamento) e o boné que ele estava usando no dia do acidente. “Os cinco reais estavam no bolso, todo molhado de Garapão (vinhaça) quando recebi a roupa dele depois do acidente”, recorda ela.
Tão difíceis quanto às últimas lembranças, é o aperto financeiro enfrentado por Sirlene desde a morte do marido. Ela parou a construção da casa que sonhava morar com o esposo, paga com muita dificuldade o terreno financiado com a pensão de um salário-mínimo que recebe (a prestação custa R$ 1.050,00) e depende integralmente para se alimentar, pagar as contas e comprar os remédios da ajuda da filha, de 24 anos, que trabalha num supermercado de Araraquara, e do filho, de 30 anos, que é casado, tem um filho, e trabalha como mecânico numa indústria, em Araraquara. Sirlene mora com a filha Jenifer na casa de 2 quartos, sala e cozinha, em Américo Brasiliense, onde vivia com o marido até a sua morte. Seu filho, Jeferson, mora com a esposa.
O ACIDENTE
Luceir Bispo Martins, então com 50 anos, era funcionário registrado e trabalhava como caminhoneiro na usina pertencente ao grupo São Martins há quatro anos. No dia 6 de maio de 2020, às 5h30, enquanto conduzia um caminhão bi-trem tanque transportando vinhaça, tombou em uma estrada rural da Fazenda Paraíso, a 600 metros do crematório da Funerária Bom Jesus. A vítima foi socorrida ainda com vida por uma equipe do Samu ao Posto de Saúde Municipal, mas, devido à gravidade do caso, foi encaminhada para o Hospital São Francisco, onde já chegou com parada cardiorrespiratória e grande perda de sangue pelas vias aéreas, falecendo no mesmo dia.
Já se passaram 16 meses do acidente e as causas permanecem desconhecidas. De acordo com o boletim de ocorrência, a cena do acidente foi alterada porque o caminhão foi retirado do local pela empresa, sem aguardar que fosse feita uma perícia por um órgão competente. A empresa também não comunicou o acidente à polícia. O registro da ocorrência foi feito pelo irmão mais novo da vítima, Gilmar de Sales Martins. Quando os agentes da Delegacia chegaram ao local com os investigadores, o veículo, sem autorização, já havia sido removido do local e levado para o pátio da usina.
COMORBIDADES
O caminhoneiro era diabético e hipertenso, ou seja, cardiopatias que elevam o risco de morte para quem contrair a Covid. Ele dividia com a mulher e os filhos o medo de pegar o vírus, por estar em grupo de risco. Chegou a falar com o chefe do setor esse temor e a revelar que gostaria de ser dispensado do dia a dia do trabalho presencial, por estar nos grupos de riscos definidos pela Organização Mundial de Saúde mas não chegou a fazer esse pedido formalmente, continuando a trabalhar diariamente até o dia da sua morte.
A família entrou com ação na justiça, através do advogado especialista em acidentes Eduardo Lemos Barbosa, que tem escritório de trabalho em São Paulo e Porto Alegre, por se tratar de um acidente durante o trabalho. O fator que reverberou para que a justiça fosse acionada foi, segundo a família e o advogado, a “omissão” da empresa onde Luceir prestava os serviços.
A petição encaminhada à Justiça do Trabalho para que o inquérito fosse aberto detalha que a retirada de uma das provas do local do acidente foi feita de forma “imprudente e se trata de um caso de omissão”. “A família também alega que os procedimentos de solidarização não foram feitos pela empresa, que até o momento não teria entrado em contato para prestar condolências ou realizar qualquer ato de apoio ou diálogo com a família de Luceir”, destaca o advogado Eduardo Barbosa.
“Ter dado permissão para o funcionário trabalhar durante a pandemia representa um fator de comprometimento da integridade física dele, uma vez que ele se enquadra no grupo de risco estabelecido pela OMS”, avalia o advogado Eduardo Barbosa.
O advogado da família Eduardo Barbosa relatou também na petição a reincidência dos acidentes envolvendo a empresa na mesma natureza. Um outro caminhoneiro da empresa foi vítima de acidente 16 dias após o falecimento de Luceir. O motorista de nome Luis Carlos teria saído da Usina Santa Cruz, perdido o controle do veículo e tombado em uma ribanceira, morrendo também em função do acidente.