Governo mineiro quer mais estudos sobre projeto de trem BH-Brumadinho
O governo de Minas Gerais avalia que a construção da linha férrea que ligaria Belo Horizonte ao Instituto Inhotim, em Brumadinho (MG), ainda carece de estudos mais aprofundados sobre a sustentabilidade econômica da operação. Os custos da obra podem ser assumidos pela mineradora Vale, dentro do processo de reparação dos danos causados no rompimento da barragem ocorrido em 2019. O assunto foi discutido nesta semana em audiência na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
“Hoje, mais do que o investimento inicial, é preciso que se tenha também uma engenharia financeira que permita ao projeto ficar de pé”, disse o secretário adjunto de Planejamento e Gestão de Minas Gerais, Luis Otávio Milagres de Assis. Também participaram da audiência outros integrantes do governo estadual, deputados estaduais, diretores do Inhotim e representantes da comunidade e de organizações não governamentais.
A barragem que se rompeu em Brumadinho em janeiro 2019 liberou uma onda de aproximadamente 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos, causando 170 mortes e devastando comunidades e meio ambiente de cidades da calha do Rio Paraopeba. Uma das frentes de reparação em discussão envolve a recuperação econômica da região. O turismo é visto como um dos caminhos, já que a cidade tem atrativos de ecoturismo, além de sediar o Instituto Inhotim, considerado o maior centro de arte ao ar livre da América Latina. Mas a construção da linha férrea depende ainda de um acordo com a mineradora.
Segundo a Vale, o assunto vem sendo discutido com os órgãos competentes. “Por se tratar de tema sensível a todos, os encontros ocorrem periodicamente e levam em conta um processo de escuta ativa, buscando formas de atender às necessidades e demandas da população”, diz em nota a mineradora.
Com uma área de 140 hectares, que reúnem mais de 20 galerias com obras contemporâneas, o Inhotim abriu as portas em 2006 e anunciou, meses antes da tragédia, ter atingido a marca de 3 milhões de visitantes. Apesar de não ter sido diretamente atingido pela onda de lama, o espaço precisou fechar por meses em 2019, enquanto a cidade buscava se recuperar dos primeiros impactos e, neste ano, novamente suspendeu as atividades por um período em decorrência da pandemia de covid-19.
Inhotim está a cerca de 60 quilômetros do centro de Belo Horizonte. Há apenas um ônibus executivo que sai às 8h15 da rodoviária de Belo Horizonte e vai até o pátio do centro artístico, retornando às 16h30. O trajeto leva quase duas horas. Vans saindo da Savassi, na região centro-sul da capital mineira, são um pouco mais rápidas. O trem encurtaria o percurso e acredita-se que ele possa se tornar mais atraente ao turista, oferecendo um bilhete de custo mais baixo e gastando menos tempo até o destino.
Uma das propostas da linha férrea é defendida pela Associação de Amigos do Bairro Belvedere e foi apresentada na Assembleia Legislativa. O projeto foi construído pelo escritório Prosdocimi Arquitetura. Ele sugere que a estação final em Belo Horizonte seja no bairro Belvedere e inclua um parque com área verde e equipamentos de lazer. “Teria um custo insignificante frente ao que a Vale causou a Brumadinho”, afirma Cohen.
O projeto prevê o reaproveitamento de uma ferrovia atualmente desativada, que corta a Serra do Curral e liga Brumadinho à antiga Mina de Águas Claras, também pertencente à Vale. Os trilhos abandonados estariam ainda em bom estado. Os defensores do projeto afirmam que ele seria viabilizado financeiramente, atendendo diariamente a população local. Isso porque o trem não seria exclusivamente turístico e contribuiria para o deslocamento entre cidades da região metropolitana, já que o seu traçado englobaria não apenas Brumadinho e Belo Horizonte, mas também territórios de Nova Lima, Ibirité, Sarzedo e Mário Campos.
Na visão de Antônio Grassi, diretor executivo do Instituto Inhotim, a linha férrea teria papel importante não apenas para o desenvolvimento de Brumadinho, mas de todo o estado. “A pandemia evidenciou ainda mais a importância da arte e da cultura para a saúde mental e para a economia, e o incentivo do Poder Público é importante”, afirmou.
Traçado mais extenso
No final de outubro, um plano de ação para a criação da linha férrea foi aprovado no Fórum de Mobilidade e Conectividade Turística (Mob-Tur), instância do Ministério do Turismo dedicada a propor políticas e estratégias para aperfeiçoar as ligações que dão acesso a destinos e atrativos turísticos. A proposta analisada, construída pela Associação de Preservação das Tradições e do Patrimônio Cultural de Santa Bárbara (Apito), existe há mais de dez anos.
Ela traz um traçado mais extenso do que o previsto no projeto apresentado pela Associação de Amigos do Bairro Belvedere. A última parada seria criada com a revitalização de uma antiga estação, próxima ao Museu de Artes e Ofícios (MAO), no centro de Belo Horizonte.
O reaproveitamento dos trilhos abandonados na Serra do Curral também consta na proposta. No ano passado, o próprio Ministério do Turismo já havia obtido uma carta de anuência da MRS Logística, concessionária responsável pela operação do trecho ferroviário. A empresa manifestou concordância com a continuidade do projeto.
Segundo o Ministério do Turismo, a proposta é que a linha férrea tenha capacidade para transportar 1,4 mil pessoas por dia, em duas locomotivas com dez vagões cada. O trajeto seria feito em cerca de uma hora. A pasta quer agora criar um grupo de trabalho com representantes do Ministério da Infraestrutura, do governo mineiro, da Vale, da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).
O Ministério Público Federal (MPF) também acompanha a situação desde o primeiro momento. Em abril do ano passado, uma recomendação foi destinada à ANTT para que fossem agilizados os processos necessários para a liberação da criação da linha férrea. Também foi sugerido que cessões de bens móveis fossem avaliadas pelo Dnit, órgão responsável pela gerência do patrimônio ferroviário herdado da antiga Rede Ferroviária. De acordo com o MPF, há vagões de passageiros estacionados no pátio ferroviário da cidade de Santos Dumont (MG) que podem ser usados no projeto, já que precisam ter alguma destinação para não se deteriorarem.
Dependência
A construção da linha férrea entre Belo Horizonte e Brumadinho é discutida como uma possível medida compensatória que poderá ajudar a contornar o impacto econômico causado pela interrupção definitiva da Mina de Córrego do Feijão, que não voltará a operar. As prefeituras das cidades atingidas têm reivindicado, nas negociações em torno da indenizações, apoio da Vale e do estado para diminuir a dependência da mineração.
Um estudo desenvolvido na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e apresentado meses antes da tragédia, mostrava que a mineração respondia por 35% da massa total de remunerações em Brumadinho. O cientista social Tadzio Coelho, responsável pela pesquisa, constatou que a atividade minerária contribuiu para que o Produto Interno Bruno (PIB) per capita de Brumadinho fosse, em 2016, o 51º mais alto entre os 853 municípios mineiros. Ele, no entanto, observa que essa dependência também cobra um preço e reúne dados que abrangem a dimensão da desigualdade da riqueza proporcionada por essa opção econômica.
Em 2016, 33,5% da população viviam em domicílios com rendimentos mensais de até meio salário mínimo por pessoa, o que posicionava Brumadinho em 611ª entre as 853 cidades do estado”, registra o estudo. O pesquisador acredita que uma das dificuldades da busca por alternativas econômicas está ligada ao intenso direcionamento dos investimentos públicos para a manutenção e incentivo da atividade principal. Ele defende que a construção dessas alternativas se dê a partir da criação e utilização de canais de deliberação onde a população possa se manifestar.
Edição: Graça Adjuto