“‘Humano favorito’ do cachorro vai além de alimentar”, diz adestrador
Em uma casa de família com cachorros é comum que um dos humanos se torne aparentemente o “favorito” do pet, ou mesmo o “humano alfa”, que o animal tende a seguir e, aparentemente, respeitar mais. Acredita-se que o que leva um animal a ter um tutor escolhido na casa seja o tempo que aquela pessoa passa ao lado do animal, ou a quantidade de comida que a pessoa lhe oferece. Mas não é exatamente assim que funciona.
Tempo e alimento são de fato importantes, mas diversos outros fatores influenciam em quem será aquele que o cachorro irá seguir pela casa quando toda a família estiver reunida. Um desses fatores é a qualidade do tempo em que passam juntos, a interação do tutor com o pet e as brincadeiras, por exemplo – não adianta passar o dia inteiro no mesmo ambiente que o cão e não dar atenção a ele.
Em caso de um animal filhote, os primeiros meses de vida são essenciais para que o pet crie laços mais fortes com um tutor, pois o cérebro está mais receptivo a experiencias sociais que poderão influencias pelo resto da vida. Quanto mais interações positivas o animal tiver com uma pessoa enquanto ele se desenvolve, maior será o vínculo com o indivíduo.
A vida em grupo
O especialista em comportamento animal, André L. Almeida explica sobre uma pesquisa realizada com base no comportamento de lobos, levando em conta a ancestralidade com os cães domésticos, pesquisadores uniram animais de diferentes alcateias para interagir entre si, o que resultou em uma disputa por dominância, em que um animal de perfil mais agressivo se sobressaía em relação a outro mais tímido, por questões de sobrevivência. Contudo, apesar de serem “da mesma família”, basear comportamento de lobos com cachorros não é o correto.
“Uma alcateia é uma organização muito fechada. Eles criaram essa informação de que tem um alfa no comportamento deles que influencia, baseado na experiência que eles fizeram. Eles [os pesquisadores] pegaram indivíduos de alcateias diferentes e colocaram dentro de um determinado local. Esses indivíduos tinham que interagir sem se conhecer, sem vínculo, sem nada. O que aconteceu é que quem era mais agressivo tinha mais recursos”, conta André.
Os animais mais fortes, por exemplo, entendiam que dividir água com o outro indivíduo poderia fazer com que ficasse sem, não colaborando com o animal mais fraco, por questões de sobrevivência e dominância. “Ainda hoje isso é passado por alguns treinadores e por pessoas mais antigas dentro do treinamento e comportamento da espécie”, explica.
O humano não é o alfa
Ao devolver os animais para os ambientes originais, notou-se uma grande mudança de comportamento, que passou a ser de cooperação e não de dominância. André Almeida explica que não se pode usar o “alfa” e que isso não funciona em relacionamentos interespecíficos.
“Não existe de humano dominar o lobo ou o cachorro. Existe apenas dentro do próprio grupo deles, em um relacionamento intraespecífico. O mesmo acontece com cachorros, papagaios e diversas espécies que convivem em grupo, há uma hierarquia e ela é seguida. É como em uma empresa, em que um funcionário segue o chefe”, esclarece o adestrador.
O conceito ainda é passado por questões de imposição das próprias pessoas. Como André explica, a convivência com os cães é baseada em cooperação e o animal entende quem é o humano que é melhor para ele.
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“O animal nota quem é o humano que dá o que ele precisa, como carinho, atenção, comida, brincadeira, então ele tende a se apegar mais a essa pessoa. Depende muito de cada animal e do que é mais importante para ele”, conta.
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O ambiente em que o cão é criado
Um animal que cresce apenas com pessoas de um determinado sexo, por exemplo, se sentirá mais à vontade na presença deste tipo de pessoa, não se dando muito bem com pessoas do sexo oposto – por isso alguns cães parecem não gostar muito do parceiro ou parceira do tutor, por exemplo.
Porém, esta é uma questão que pode ser resolvida, mesmo com animais mais velhos, algo comum em cães que são adotados com mais idade, que podem ser socializados para um novo ambiente ou tipo de pessoas.
A questão de dominância, explica André, quando feito da maneira correta, também é aceita pelo animal. “Às vezes, o humano mais próximo do cão é justamente aquele que faz a correção de comportamento da forma correta, sendo mais assertivo em certos momentos. Corrigindo o que é errado e recompensando quando faz o que é certo, dando um recurso que para o cão é interessante”, exemplifica.
Especialistas indicam que os animais conheçam o maior número de pessoas possível e que, em caso de adestramento, todas as pessoas da família participem da mesma forma.
Existe um humano favorito?
O tutor que alimenta o cachorro, porém não dá carinho e atenção, não o leva para passear ou brinca com ele, pode ser trocado facilmente por outra pessoa que goste de fazer essas atividades com o pet.
O adestrador enfatiza que, seguindo o comportamento geral entre humanos e cachorros, não existe o “humano alfa”, ele se torna apenas uma fonte dos recursos que aquele animal precisa, como alimento, limpeza, entre outros.
Muitas vezes, a atenção e o carinho podem ser mais importantes para o cão do que simplesmente ter a tigela de ração abastecida e estreita ainda mais os laços afetivos com o humano, indo além de uma questão de liderança.